Do fazer tudo sempre igual

Não havia rede social e as pessoas já espalhavam por correntes de e-mail um certo texto intitulado "Mude". Ele foi atribuído a uma série de autores: Clarice Lispector, Marina Colasanti, Luis Fernando Verissimo. O mundinho de muitos amigos em cópia (o remetente tinha necessariamente certa dificuldade em usar o CCO. Daí, os milhões de vírus inbox) parecia o do Pequeno Príncipe, cuidando de seu baobá. E ficava eternamente cativado por aqueles mandamentos.

E não é que o mundinho mudou? Rápido e raspteiro. Os textos como "Mude" e outros devidamente créditados ou não são agora um turbilhão de informações. Sobre o fazer tudo sempre igual, esse continua condenável. A não ser na letra de "Cotidiano" do Chico, que é linda e uma delícia (pois há uma sensação de que não se beija mais com a boca de maçã).

Fui adepta do "Mude" por anos a fio. Ainda gosto dele, mas joguei fora bússolas. Não tenho GPS e, por mais que tente me fazer valer de um argumento mais "filsófico", me pego lembrando de "Igual a Tudo na Vida". A cena é Woody Allen dizendo a Jason Biggs algo como: "se alguém lhe der um conselho, não retruque. Diga 'ah, que ótima ideia'. E depois faça o que quer fazer".

Tem coisas que eu não vou, não quero e não necessito mudar. Isso não tem nada a ver com resistência ao novo, ser metódito, irrascível ou algo do gênero. Eu não mudo, por exemplo, do lado que viajo no metrô. Vou sempre sentada na janela direita vendo as árvores. Observo ali os raios de sol, algumas flores e linhas de trem. Os prédios surgem de vez em quando. No entanto, eles predominam no lado oposto.

Eu sempre como pão com manteiga e se for para usar margarina, prefiro a seco. Eu nunca deixo de ouvir uma música bonita quando estou muito triste: tenho playlists de dias cinzas e pouco inspirados. Em toda e qualquer gripe, como na que estou no momento, desejo canja de galinha que a mamãe faz. Posso estar a quilômetros de distância, casada ou morando em outro lugar como estive...não muda esse pedido de afago numa tigela com legumes picados em cubinhos.

Não mudo meu jeito de sorrir para o mundo quando estou apaixonada. Talvez, no fundo, eu devesse mudar a assustadora mania de acompanhar em francês (que eu não falo) ou italiano (menos ainda) canções na linha "que você fez para mim" escutadas em volume máximo no iPod. Não deixo de citar meus autores favoritos em momento "keep walking". De modo que vou juntando Pessoa, Drummond, Clarice, Leminski, Caio F, Manoel de Barros, Xico Sá, Martha Medeiros, Tati Bernardi. Desde que eu me entendo por mim, piso em sementes secas (aliás, faço uma competição com minha mãe e minha irmã) espalhadas pelas calçadas pelo prazer de ouvir "crec, crec, crec".

Quando eu era criança, pedia para meus pais repetirem incontáveis vezes o disco "Revólver" do Walter Franco. Aos sábados, comia espaguete ao sugo com meu avô Nunzio e, sorrateiramente, passava pãozinho francês para limpar o prato. E essa coisa de mudar atrapalha muito, pois me coço numa cantina para não fazer exatamente daquela maneira que fazia: ainda mais com o redor da boca todo vermelho e feliz.

Não mudar também é uma experiência maravilhosa, que traz lá sua mágica. Domingo fui ao Mercado Central tomar limonada na banquinha que existe desde 1938. Eu poderia tomar um açaí (que passo), o novo suco exótico daquela fruta asiática da qual não me lembro o nome. Nenhum deles me traria de volta lembranças tão instantâneas do meu avô Azevedo ou do meu pai. Nenhum deles seria capaz de convencer o amigo de São Paulo de que aquela limonada por demais adoçada era algo único.

Não mudar, enfim, é o lugar da memória, do conforto, do calar-se com a boca de maçã. Eu gosto disso.

Comentários

  1. Oi, Ludmila,
    tudo bem?

    Não nos conhecemos, mas poste pra gente essa play list de dias cinzas? Fiquei curiosa.

    Obrigada pelos seus textos.

    Joyce

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  2. Olá Joyce! Obrigada você pela visita! Tem R.E.M, Radiohead, Aimee Mann, Betty Gibbons, Portishead, Beck (Sea Changes todo!) e muitos outros. Músicas aparentemente tristes me confortam :) Abraços!

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