Federico e Giulietta
Durante as férias quis morar no Instituto Moreira Salles, no Rio. Minto. Antes delas e depois também. Há dois lugares em que viveria tranquilamente com a minha cama no meio de tudo: o IMS e a Livraria Cultura, em São Paulo. Seria delírio, se a dimensão do sonho não fosse maior do que aquilo nos habituamos a acreditar.
Nos desenhos de Fellini, feitos ao despertar, imagens fantásticas e reflexões de um gênio. Tenho muita afinidade com o cinema dele. Embora as obras-primas citadas de modo recorrente sejam outras, guardo um carinho especial por "Noites de Cabíria". E por que? Porque vejo a Giulietta, ainda que em cena, pelo olhar do Federico.
Não dá para não se emocionar com uma foto gigante da atriz logo na entrada da exposição "Tutto Fellini". Giulietta está com uma cara doce, de palhacinha. E o amor de verdade é isso: é você enxergar com ternura, querer abraçar e não soltar mais. Ficar toda produzida num vestido sensacional, com uma maquiagem deslumbrante capaz de chamar atenção numa festa pode ser incrível, algo meio Anita Ekberg, aquele furacão. Não acho que seja fácil também sustentar a diva, porém no fundo para uns e escancarado para outros, queremos aquela simplicidade tão sofisticada
Giulietta está em muito, quase tudo. Sempre parece bobagem ter coração de manteiga como o meu nesses tempos em que o espaço do beijar é tão na velocidade da luz, que mal cabe o amor. Fiquei comovida com aquele casal unido por 43 anos e nem foi essa medida o essencial. Não são dias multiplicados por milhares. Nem imaginar que meses depois da morte dele, ela não aguentou as saudades e saiu de cena.
Tudo se resume a ler o depoimento de Fellini sobre a amada. São trechos em que ele conta que ela não fazia ideia do quanto é talentosa e incrível. Fechei os olhos e juro que ouvi o diretor falar, em bom italiano, cada palavra ali escrita. Naquele instante, me lembrei do Oscar que ele ganhou pelo conjunto da obra. Giulietta chorava e para Federico parecia não existir plateia, apenas a esposa. E eu já nem estava mais no Instituto Moreira Salles.
Acordar todos os dias junto, dividir as contas, as responsabilidades, as dores e prazeres parece...casamento. O que eles viveram foi livro dos sonhos e quando digo isso, nem penso em contos de fadas. Há o amargo entre os sabores doces em tudo. O admirar é o segredo. Porque o amor em si não é suficiente. Você pode amar e mesmo assim se separar, amar e ficar procurando defeitos no outro, de modo que as críticas começam a minar tudo e aquele encanto dos enamorados se perde. Admirar não é idealizar. Talvez seja algo felliniano, difícil de se traduzir em palavras.
Quis logo escrever sobre as milhares de impressões sobre aquela exposição. Precisaria morar naquela casa até junho. Há fragmentos guardados na minha memória que podem fazer com que em volte ao assunto.
Ironicamente, faz dois anos que comecei mentalmente a preparar minhas malas, meus gatos e seguir pela estrada de vida sem o co-piloto que tinha escolhido. Naquele três de abril, em meio a festa de casamento tão especial, fiquei sozinha por instantes. Me pareceram eternos. Na valsa, a mão da amiga me segurou. Silenciosamente, foi como a certeza que daria tudo acabaria bem.
Muitas sensações incômodas se esvaíram. O recomeço com o mais importante, a tranquilidade, já não é luz no fim do túnel. No amor, acredito umas terças ou sábados, esqueço aos domingos ou nem penso. Já procurei em lugares inadequados, em meio aos descuidados, indelicados e covardes. E não que tenha desistido. Simplesmente espero - e não busco - que quando (e se) chegar, tenha mais admiração que qualquer coisa no pacote. A vida pode ser doce. Basta entrar na fonte e experimentar.
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