American Beauty*

Todo mundo tem (ou pelo menos deveria ter) um plano B. Centenas de jornalistas que eu conheço, por exemplo, querem abandonar a redação e abrir um boteco. Outros tantos acham que podem virar Verissimo ou Martha Medeiros e viver do que escrevem. Há, ainda, a categoria mais curiosa - normalmente pertence aos extremamente estressados - que é virar hippie e vender colar de coquinho na praia.

Não quero jogar areia no plano B de ninguém, que fique claro.


Por muito tempo, pensei em vários planos de fuga. Estudar era um deles, mas a roda-viva do trabalho nunca deixou. Claro que quem quer muito colocar a ideia em prática faz-se valer da máxima "o que você faz de meia-noite às seis?". Depois de muito pensar nisso, cheguei à conclusão de que desejava atingir a meta sem sacrifícios extremos. Simples assim. Acho muito admirável quem trabalha 50 horas semanais e ainda estuda, namora e vai ao cinema. Só que comigo não funciona. Tenho uma alma de bon vivant.

Como não virei mestre ou doutora em coisa alguma, o plano B continuou a ser uma pulga atrás da orelha. Comprei um livro sobre períodos sabáticos e também concluí que não seria tão fácil fazer a mochila e me aventurar. Afinal, para se desprender da rotina de trabalho, você tem que ter uma reserva em dinheiro basicamente para comprar as passagens para aquele destino distante e guardar para emergências (tipo pagar um médico/curandeiro quando for picado por um inseto raro na Savana). Eu sou a cigarra e não a formiga nessas horas.

Sem muitas cartas na manga, comecei a refletir de maneira mais crítica sobre meus talentos e potenciais artísticos e...nada! Eu não canto, não danço, não pinto e não atuo. No campo das ciências exatas e biológicas, bastou eu lembrar da quantidade de notas vermelhas que eu colecionei nos tempos de escola durante toda minha vida. Eu sempre passava com excelência em redação, línguas, história, geografia e dada minha extensa capacidade de comunicação, era assunto regular nas reuniões de pais e mestres.

Acontece que o plano B virou uma espécie de obsessão, uma nova diretriz em tempos de crise e não me refiro somente à econômica mundial. Fiquei em pânico, sobretudo quando me dei conta que uma década de passou desde que me formei e de lá para cá, a pressão só aumentou e o mercado - no caso de BH, feira - virou uma prostituição generalizada. Ninguém pode querer isso para mais uma década, certo? E não se trata da dificuldade de lidar com um chefe na redação ou determinado cliente na assessoria. É um campo minado e ponto.

Eu não quero ser o que o mundo espera de mim, à essa altura da minha vida, pelo menos na minha área. Sofro menos com esse conceito de "bem sucedido" do que posso fazer parecer nessas linhas. Acredito na frase do Bob Dylan que é algo como o sucesso é ter feito só o que se gosta entre acordar e dormir.

Enquanto seu lobo não vem, passeio na floresta com minhas divagações meio insanas, meio idealistas. Na atual conjuntura, tem dias que dá vontade de largar tudo e virar Cachorro da Emive (uma empresa de segurança, para quem não conhece). Ele está em todo lugar: no sinal, na linha de chegada da corrida, dançando na festa do Comida di Buteco. Sempre acenando. No meu caso, toda vez que eu visse um mala, mostraria o dedo médio e, em seguida, acenaria de novo para confundir a pessoa.

Seria uma grande realização pessoal.

É algo meio American Beauty, eu sei. O cara larga tudo e vira atendente do Mac Donalds...Mas no terceiro mundo isso não cola. A opressão ao trabalhador não deixa brecha para criatividade. Cachorro da Emive seria uma vingança poética, doce e lúdica (odeio essa palavra).

Pode não ser propriamente um plano B, todavia, se um dia alguém vir um Cachorro da Emive mais insano que o normal, pode desconfiar. A boa notícia é que com aquele cabeção, eu não morderia.

*Esse post é dedicado às amigas Júlia e Carol que curtiram minha ideia.


Comentários

  1. Querida Ludj,

    belo post, como de hábito: confessional, elegante e divertido. Entre os talentos que você certamente possui está a escrita, não se esqueça disso.

    E uma curiosidade/coincidência: justamente hoje, ao sair do Pátio depois de uma cabine, vi o cachorro da Emive no cruzamento da Contorno com Nossa Senhora do Carmo e, acredite ou não, fiquei uns 5 minutos parado enquanto observava aquele "cachorrão" dançando, acenando para todos e parecendo se divertir.

    Sei que provavelmente o cara lá dentro estava suando descontroladamente e talvez amaldiçoando o emprego - mas juro que, por um tempinho, tive a impressão de que ele se divertia genuinamente com tudo aquilo.

    E o mais estranho: quando percebi, estava sorrindo há alguns bons minutos daquela cena; não um sorriso de escárnio, mas de... não sei, alegria compartilhada?

    Enfim.

    Beijo grande,
    Pablo

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  2. Lud - me identifiquei com seu texto. Também tenho uma década de formado e daí...
    E meu plano B veio junto com o A. Sempre fui designer professor e depois de anos escolhi ser professor[ou seja o B]. O meio acadêmico alterna-se entre o hospício e o circo, só me interessa a sala de aula.
    Na verdade querida, eu só queria te dizer que depois de um tempo todos precisamos de novos planos, no meu caso um plano C.
    E se algum dia você virar o cachorro da Emive vou correndo te abraçar porque realmente é uma idéia linda.
    beijos, planos e coragem

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  3. Lud, adorei o texto, vc sabe como eu compartilho dessa ideia... só que eu acho que ficou faltando refletir mais sobre o "depois do assunto", por isso espero uma continuação (Parte II, o retorno). O cachorro da Emive é um bom começo, mas como sei q não pode estar falando sério, espero uma possível conclusão sua, uma luz no fim do túnel, uma ideia diferente pra eu tbem seguir. hahaha. fico só batendo a cabeça na parede, sem sair do lugar!!! Também faço 10 anos de formada e vivemos a mesma situação, até trabalhamos juntas e temos os mesmos interesses e área. Estou começando a vivenciar algo parecido com um plano B, mas ainda é um embrião que não sei se vai vingar. Enfim, queria te dizer que vc leu o meu íntimo. só que como eu, não tem A RESPOSTA. (work)Life sucks.

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  4. Ei, Pablo, super obrigada pelo carinho e elogio às minhas linhas! Eu tenho como você essa sensação de que os Cachorros da Emive se divertem genuinamente...Beijos!

    Flavinho, pode deixar que se um Cachorro da Emive baixinho correr em sua direção e te agarrar, é essa amiga que vos escreve. Plano C é uma boa né? Beijos!

    Carol querida, o jornalismo para mim está meio que em coma. Respiro com ajuda de aparelhos, à espera de um milagre. Então, para não ser pessimista, me agarro ao "mundo maravilhoso de Ludmila". Eu quebro a cabeça com soluções. Não é fácil, mas quem sabe a luz aparece? Beijos

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  5. Lud, podemos virar uma emivolândia!
    bjos.
    Angela

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