Três em um
Vou colocar três posts de uma só vez...
Primeiro, a dica
Não costumo advogar em causa de meus clientes por aqui, com algumas exceções. Não há uma razão específica para isso e, talvez, eu deva dar dicas interessantes no blog, a partir do que divulgo...Enfim, quero convidar a todos os leitores para prestigiar o trabalho do Alexandre Vogler, na Galeria Carminha Macedo (Rua Bernardo Guimarães, 1.200, Funcionários). A vernissage ontem dividiu opiniões. Em "Base Para Unhas Fracas" o artista carioca provoca sim, mas a discussão.
De acordo com o próprio, "a adequação do mobiliário urbano às regras do capital é um exemplo da transformação da paisagem das cidades em grandes corredores de publicidade estática. As imagens veiculam aquilo que o espectador-pedestre quer vê. Campanhas publicitárias são precedidas por pesquisas de opinião que estabelecem a conformação dos elementos simbólicos contidos nas imagens.
Isso produz a sensação de prazer e deleite aos consumidores em potencial, capturados pela força de composições sofisticadas e bem produzidas. O julgamento estético recobre o julgamento ético nesse grande campo simbólico que se transformou a paisagem imagética das cidades.
Dessa forma, recorro a uma imagem ordinária que, veiculada junto a um vidro de esmalte de unha, reproduz uma campanha publicitária de um cosmético.
A escolha deste segmento deve-se a fetichização da imagem da mulher em campanhas dessa (e outras) natureza como apelo de consumo. Assim, imprimo as mãos de uma mulher casada, com unhas pintadas de vermelho, sobre imagem manipulada que faz alusão ao órgão sexual feminino".
Vogler espalhou lambe-lambes em BH com imagens de seu "anúncio". Claro que hoje pela manhã jornalistas mais ligados à cadernos/editorias de Cidades do que Cultura me ligaram frenéticos para pautar a "polêmica". Isso sem ter o release à mão, sem saber do que se trata. Somente pelo barulho.
A questão não é entender/ gostar (de) arte contemporânea. Se mais pessoas além do "cercadinho da cultura/arte"(não necessariamente tão entendedores como se fazem parecer) em redações se interessam, missão quase cumprida. Quase porque a reflexão não necessariamente está em pauta. E olha que dessa vez, eu não acho que seja algo típico somente de um lugar "fora do eixo" como Belo Horizonte.
Segundo, do Comunique-se
Senado vai punir jornalista que respondeu email com um palavrão
Sérgio Matsuura, do Rio de Janeiro
A TV Senado vai abrir inquérito para apurar denúncia de mau comportamento no uso do email pelo jornalista João Carlos Fontoura. Na quinta-feira, ele teria respondido a uma proposta de pauta do assessor da secretaria de Emprego e Relações de Trabalho de São Paulo Vinícius Prado de Moraes com um email dizendo “F...!”.
O diretor de comunicação do Senado, Helival Rios, informa que o episódio é “muito inusitado” e causou imenso mal-estar na Casa. Segundo Rios, o presidente do Senado, Garibaldi Alves, exigiu explicações sobre o caso.
“O jornalista não é um João ninguém. Ele representa o Senado Federal. Será aberto inquérito e ele será punido. Nós solicitamos que o destinatário do email formalize a queixa”, afirma Rios.
O assessor da secretaria paulista se disse surpreso com a resposta que recebeu e explica que a sugestão de pauta, sobre a participação do secretário Guilherme Afif em uma audiência pública, foi enviada para jornalistas de vários veículos.
“Quando chequei a minha caixa, vi uma resposta: “F...!”. Eu respondi ao email agradecendo a confirmação de recebimento do aviso de pauta”, conta Moraes.
Na tarde desta sexta-feira, Moraes recebeu um email de desculpa enviado por Fontoura. Nele, o repórter da TV Senado diz ter confundido a mensagem com um SPAM.
“Acredite, não foi minha intenção atingi-lo pessoalmente ou profissionalmente. Menos ainda ao senhor secretário Afif Domingos. Não foi, certamente, uma atitude compatível com a de um servidor público com 24 anos de serviços prestados ao Senado Federal. Creio que estava num mau dia”, escreveu Fontoura no email de retratação.
Isso é apenas mais uma prova de que jornalistas de redação e de assessoria estão de lados opostos. Eu fiquei mais tempo do lado de lá e tive contato com alguns (poucos mesmo) assessores malas. A maioria sempre foi gentil. Mas hoje percebo que é muito mais uma questão de respirar fundo.
Terceiro, do Antônio Prata
Blowing in the wind
Meu pai nunca entendeu que eu e minha irmã não tínhamos a mesma idade que ele. Isso não se restringia a nós nem mudou com o tempo: até hoje ele conversa com uma criança de três anos de igual para igual, o que faz com que elas o adorem, como se o tom as promovesse a outro patamar. Quando você é filho, no entanto, a coisa é um pouco mais complicada.
Era domingo e não sei por que cargas d’água meu pai resolveu nos levar ao Pico do Jaraguá. Não era o tipo de programa que fazíamos nos fins de semana -- um sim, um não -- que passávamos com ele. Íamos a restaurantes, bares, às casas de amigos dele, ao cinema ou ao teatro. Aquele, contudo, era um domingo atípico, tanto é que a Julia, minha meia irmã (filha do meu padrasto), também estava conosco.
Lembro-me de estar deitado no banco de trás da Brasília, com as pernas esticadas por cima do encosto e a cabeça pendendo entre os bancos da frente, próxima à base do freio de mão. Hoje em dia, se a polícia pára um carro e flagra uma criança nessa posição, o motorista deve perder a carta, talvez até guarda dos filhos, mas estávamos em 1984 e o mundo era outro, não se usava cinto de segurança nem protetor solar, as pessoas não andavam por aí com garrafinhas d’água, como se fosse o elixir da vida eterna, fazíamos cinzeiros de argila para os pais nas aulas de artes e o colesterol era apenas uma vaga ameaça de gente paranóica, como a CIA ou a KGB, dependendo da sua visão de mundo; de modo que eu seguia feliz, estrada acima, vendo as árvores passarem de cabeça para baixo, lá fora.
Foi a Maria, minha irmã mais nova, sentada próxima a janela da esquerda, quem deu o alarme: “Ó lá ela chupando o pinto dele!!!”. A Julia pisou na minha barriga, passou por cima de mim e também grudou a cara na janela, eu levantei correndo mas só cheguei a tempo de ver uns vultos dentro da Variante bege parada no acostamento. A Maria jurava ter visto direitinho: o cara pelado, uma mulher chupando-lhe o pinto. Nós três começamos a pular e gritar no banco de trás, como chipanzés amotinados. “Chupando o pinto!”, “Hahahaha!”, “Chupando o pinto dele!”, repetíamos, sem acreditar que havíamos passado tão próximos daquele evento inencaixável na ordem geral das coisas. A gritaria estancou de imediato quando meu pai, com a naturalidade de quem discute a situação com senhores de cinqüenta anos, perguntou: “o que é que tem?”.
Até aquele segundo, em minha vida, chupar pinto não tinha nenhuma relação com a sexualidade humana, o prazer, o afeto. A frase “chupa meu pinto!” pertencia ao terreno das ofensas, ao jargão do futebol, como “prensada é da defesa”, “gol só dentro da área”, e “vou te encher de porrada” – essa sim uma ameaça que poderia ser cumprida. Chupar o pinto era metafórico, como “cospe e sai nadando” ou “vai ver se eu estou na esquina” e jamais tinha passado por nossas cabeças (eu devia ter uns nove, a Julia oito e a Maria, sete) que alguém de fato fizesse aquilo -- e por que faria?!
“Não sei do que vocês tão rindo tanto”, continuou meu pai, sério. Eu só consegui gritar o óbvio, de pé no assento de trás, metendo o corpo entre os bancos da frente: “pai! Ela tava chupando o pinto dele!”. Meu pai abanou a cabeça. “Antonio, chupar pinto é uma coisa muito normal. E saudável. Todo casal faz isso” – ele disse, e acreditem: era só o começo. O pior, o que subverteu todo o arcabouço conceitual construído até meus nove anos, o que provavelmente faria com que fogos de artifícios fossem vistos nos dois hemisférios do meu cérebro, caso estivesse num desses aparelhos de ressonância magnética, o que, dada a intensidade, provavelmente fixou toda a história em minha cabeça, desde a posição em que me encontrava no banco da Brasília até a cor do céu, quando chegamos ao mirante, lá no alto, viria a seguir: “Normal, sim. A Juliana chupa meu pinto. A sua mãe chupa o pinto do marido dela. Sua avó chupa o pinto do seu avô. A tia Lurdes chupa o pinto do Augusto, a professora Carla chupa o pinto do Josué, ah!, os homens que namoram homens então, como o Pedrinho e o Ivan, chupam muito o pinto um do outro. Todo mundo que namora faz isso. E é muito gostoso. Não tem porque rir.”
Chegamos ao Pico do Jaraguá, descemos do carro e vimos o pôr do sol. Eu olhava a cidade lá longe e só conseguia pensar que por trás de cada janela, dentro de cada carro, debaixo de cada teto, atrás de cada porta havia pessoas que chupavam ou eram chupadas, meus pés pisavam sob um planeta onde dois bilhões e meio de seres humanos colocavam os pintos dos ouros dois bilhões e meio na boca. Talvez fosse o vento, ou a memória tenha inserido o áudio mais tarde sobre a imagem, mas o som que eu ainda ouço, lá no alto, é equivalente ao de um canudo do tamanho de um prédio puxando o último gole de um copo gigante de milk-shake: sssrrrrrrrlllllllllllluuuuuuuuurrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrp!
Na volta, ninguém falava nada. Entramos em casa correndo, com os olhos arregalados. Não tão arregalados quanto ficaram os de minha mãe, meu padrasto e mais uns dois casais de amigos, que tomavam vinho e comiam alguma coisa, quando desandamos a falar: “Mãe! Mãe! É verdade que você chupa o pinto dele?!”. “A vovó chupa o pinto do vovô?!”, “A minha avó também, pai?! A minha avó também chupa pinto?!!”, “Todo mundo?! Todo mundo chupa pinto?!”. “Mãe, mãe, quando eu crescer eu também vou ter que chupar pinto?!”. “Com que idade?! Com que idade começa a chupar pinto, pai?!”.
A última cena de que me lembro nesse dia é vista do alto da escada, de onde eu estava bisbilhotando, já de pijama. Havia taças vazias e pratos sujos na mesa, os casais tinham ido embora. “Mas será que você não entende? Eles são crianças!”, dizia minha mãe ao meu pai, pelo telefone, aparentando mais cansaço do que raiva na voz. Não lembro com que sonhei naquela noite.
Genial, como sempre. Morri de rir dessa crônica que me lembrou um pouco minha infância. Meus pais faziam a linha do Mário Prata e, não raramente, eu deixava as pessoas coradas.
Primeiro, a dica
Não costumo advogar em causa de meus clientes por aqui, com algumas exceções. Não há uma razão específica para isso e, talvez, eu deva dar dicas interessantes no blog, a partir do que divulgo...Enfim, quero convidar a todos os leitores para prestigiar o trabalho do Alexandre Vogler, na Galeria Carminha Macedo (Rua Bernardo Guimarães, 1.200, Funcionários). A vernissage ontem dividiu opiniões. Em "Base Para Unhas Fracas" o artista carioca provoca sim, mas a discussão.
De acordo com o próprio, "a adequação do mobiliário urbano às regras do capital é um exemplo da transformação da paisagem das cidades em grandes corredores de publicidade estática. As imagens veiculam aquilo que o espectador-pedestre quer vê. Campanhas publicitárias são precedidas por pesquisas de opinião que estabelecem a conformação dos elementos simbólicos contidos nas imagens.
Isso produz a sensação de prazer e deleite aos consumidores em potencial, capturados pela força de composições sofisticadas e bem produzidas. O julgamento estético recobre o julgamento ético nesse grande campo simbólico que se transformou a paisagem imagética das cidades.
Dessa forma, recorro a uma imagem ordinária que, veiculada junto a um vidro de esmalte de unha, reproduz uma campanha publicitária de um cosmético.
A escolha deste segmento deve-se a fetichização da imagem da mulher em campanhas dessa (e outras) natureza como apelo de consumo. Assim, imprimo as mãos de uma mulher casada, com unhas pintadas de vermelho, sobre imagem manipulada que faz alusão ao órgão sexual feminino".
Vogler espalhou lambe-lambes em BH com imagens de seu "anúncio". Claro que hoje pela manhã jornalistas mais ligados à cadernos/editorias de Cidades do que Cultura me ligaram frenéticos para pautar a "polêmica". Isso sem ter o release à mão, sem saber do que se trata. Somente pelo barulho.
A questão não é entender/ gostar (de) arte contemporânea. Se mais pessoas além do "cercadinho da cultura/arte"(não necessariamente tão entendedores como se fazem parecer) em redações se interessam, missão quase cumprida. Quase porque a reflexão não necessariamente está em pauta. E olha que dessa vez, eu não acho que seja algo típico somente de um lugar "fora do eixo" como Belo Horizonte.
Segundo, do Comunique-se
Senado vai punir jornalista que respondeu email com um palavrão
Sérgio Matsuura, do Rio de Janeiro
A TV Senado vai abrir inquérito para apurar denúncia de mau comportamento no uso do email pelo jornalista João Carlos Fontoura. Na quinta-feira, ele teria respondido a uma proposta de pauta do assessor da secretaria de Emprego e Relações de Trabalho de São Paulo Vinícius Prado de Moraes com um email dizendo “F...!”.
O diretor de comunicação do Senado, Helival Rios, informa que o episódio é “muito inusitado” e causou imenso mal-estar na Casa. Segundo Rios, o presidente do Senado, Garibaldi Alves, exigiu explicações sobre o caso.
“O jornalista não é um João ninguém. Ele representa o Senado Federal. Será aberto inquérito e ele será punido. Nós solicitamos que o destinatário do email formalize a queixa”, afirma Rios.
O assessor da secretaria paulista se disse surpreso com a resposta que recebeu e explica que a sugestão de pauta, sobre a participação do secretário Guilherme Afif em uma audiência pública, foi enviada para jornalistas de vários veículos.
“Quando chequei a minha caixa, vi uma resposta: “F...!”. Eu respondi ao email agradecendo a confirmação de recebimento do aviso de pauta”, conta Moraes.
Na tarde desta sexta-feira, Moraes recebeu um email de desculpa enviado por Fontoura. Nele, o repórter da TV Senado diz ter confundido a mensagem com um SPAM.
“Acredite, não foi minha intenção atingi-lo pessoalmente ou profissionalmente. Menos ainda ao senhor secretário Afif Domingos. Não foi, certamente, uma atitude compatível com a de um servidor público com 24 anos de serviços prestados ao Senado Federal. Creio que estava num mau dia”, escreveu Fontoura no email de retratação.
Isso é apenas mais uma prova de que jornalistas de redação e de assessoria estão de lados opostos. Eu fiquei mais tempo do lado de lá e tive contato com alguns (poucos mesmo) assessores malas. A maioria sempre foi gentil. Mas hoje percebo que é muito mais uma questão de respirar fundo.
Terceiro, do Antônio Prata
Blowing in the wind
Meu pai nunca entendeu que eu e minha irmã não tínhamos a mesma idade que ele. Isso não se restringia a nós nem mudou com o tempo: até hoje ele conversa com uma criança de três anos de igual para igual, o que faz com que elas o adorem, como se o tom as promovesse a outro patamar. Quando você é filho, no entanto, a coisa é um pouco mais complicada.
Era domingo e não sei por que cargas d’água meu pai resolveu nos levar ao Pico do Jaraguá. Não era o tipo de programa que fazíamos nos fins de semana -- um sim, um não -- que passávamos com ele. Íamos a restaurantes, bares, às casas de amigos dele, ao cinema ou ao teatro. Aquele, contudo, era um domingo atípico, tanto é que a Julia, minha meia irmã (filha do meu padrasto), também estava conosco.
Lembro-me de estar deitado no banco de trás da Brasília, com as pernas esticadas por cima do encosto e a cabeça pendendo entre os bancos da frente, próxima à base do freio de mão. Hoje em dia, se a polícia pára um carro e flagra uma criança nessa posição, o motorista deve perder a carta, talvez até guarda dos filhos, mas estávamos em 1984 e o mundo era outro, não se usava cinto de segurança nem protetor solar, as pessoas não andavam por aí com garrafinhas d’água, como se fosse o elixir da vida eterna, fazíamos cinzeiros de argila para os pais nas aulas de artes e o colesterol era apenas uma vaga ameaça de gente paranóica, como a CIA ou a KGB, dependendo da sua visão de mundo; de modo que eu seguia feliz, estrada acima, vendo as árvores passarem de cabeça para baixo, lá fora.
Foi a Maria, minha irmã mais nova, sentada próxima a janela da esquerda, quem deu o alarme: “Ó lá ela chupando o pinto dele!!!”. A Julia pisou na minha barriga, passou por cima de mim e também grudou a cara na janela, eu levantei correndo mas só cheguei a tempo de ver uns vultos dentro da Variante bege parada no acostamento. A Maria jurava ter visto direitinho: o cara pelado, uma mulher chupando-lhe o pinto. Nós três começamos a pular e gritar no banco de trás, como chipanzés amotinados. “Chupando o pinto!”, “Hahahaha!”, “Chupando o pinto dele!”, repetíamos, sem acreditar que havíamos passado tão próximos daquele evento inencaixável na ordem geral das coisas. A gritaria estancou de imediato quando meu pai, com a naturalidade de quem discute a situação com senhores de cinqüenta anos, perguntou: “o que é que tem?”.
Até aquele segundo, em minha vida, chupar pinto não tinha nenhuma relação com a sexualidade humana, o prazer, o afeto. A frase “chupa meu pinto!” pertencia ao terreno das ofensas, ao jargão do futebol, como “prensada é da defesa”, “gol só dentro da área”, e “vou te encher de porrada” – essa sim uma ameaça que poderia ser cumprida. Chupar o pinto era metafórico, como “cospe e sai nadando” ou “vai ver se eu estou na esquina” e jamais tinha passado por nossas cabeças (eu devia ter uns nove, a Julia oito e a Maria, sete) que alguém de fato fizesse aquilo -- e por que faria?!
“Não sei do que vocês tão rindo tanto”, continuou meu pai, sério. Eu só consegui gritar o óbvio, de pé no assento de trás, metendo o corpo entre os bancos da frente: “pai! Ela tava chupando o pinto dele!”. Meu pai abanou a cabeça. “Antonio, chupar pinto é uma coisa muito normal. E saudável. Todo casal faz isso” – ele disse, e acreditem: era só o começo. O pior, o que subverteu todo o arcabouço conceitual construído até meus nove anos, o que provavelmente faria com que fogos de artifícios fossem vistos nos dois hemisférios do meu cérebro, caso estivesse num desses aparelhos de ressonância magnética, o que, dada a intensidade, provavelmente fixou toda a história em minha cabeça, desde a posição em que me encontrava no banco da Brasília até a cor do céu, quando chegamos ao mirante, lá no alto, viria a seguir: “Normal, sim. A Juliana chupa meu pinto. A sua mãe chupa o pinto do marido dela. Sua avó chupa o pinto do seu avô. A tia Lurdes chupa o pinto do Augusto, a professora Carla chupa o pinto do Josué, ah!, os homens que namoram homens então, como o Pedrinho e o Ivan, chupam muito o pinto um do outro. Todo mundo que namora faz isso. E é muito gostoso. Não tem porque rir.”
Chegamos ao Pico do Jaraguá, descemos do carro e vimos o pôr do sol. Eu olhava a cidade lá longe e só conseguia pensar que por trás de cada janela, dentro de cada carro, debaixo de cada teto, atrás de cada porta havia pessoas que chupavam ou eram chupadas, meus pés pisavam sob um planeta onde dois bilhões e meio de seres humanos colocavam os pintos dos ouros dois bilhões e meio na boca. Talvez fosse o vento, ou a memória tenha inserido o áudio mais tarde sobre a imagem, mas o som que eu ainda ouço, lá no alto, é equivalente ao de um canudo do tamanho de um prédio puxando o último gole de um copo gigante de milk-shake: sssrrrrrrrlllllllllllluuuuuuuuurrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrp!
Na volta, ninguém falava nada. Entramos em casa correndo, com os olhos arregalados. Não tão arregalados quanto ficaram os de minha mãe, meu padrasto e mais uns dois casais de amigos, que tomavam vinho e comiam alguma coisa, quando desandamos a falar: “Mãe! Mãe! É verdade que você chupa o pinto dele?!”. “A vovó chupa o pinto do vovô?!”, “A minha avó também, pai?! A minha avó também chupa pinto?!!”, “Todo mundo?! Todo mundo chupa pinto?!”. “Mãe, mãe, quando eu crescer eu também vou ter que chupar pinto?!”. “Com que idade?! Com que idade começa a chupar pinto, pai?!”.
A última cena de que me lembro nesse dia é vista do alto da escada, de onde eu estava bisbilhotando, já de pijama. Havia taças vazias e pratos sujos na mesa, os casais tinham ido embora. “Mas será que você não entende? Eles são crianças!”, dizia minha mãe ao meu pai, pelo telefone, aparentando mais cansaço do que raiva na voz. Não lembro com que sonhei naquela noite.
Genial, como sempre. Morri de rir dessa crônica que me lembrou um pouco minha infância. Meus pais faziam a linha do Mário Prata e, não raramente, eu deixava as pessoas coradas.
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