Parte 3

Ela acordou antes que o despertador tocasse. Tomou banho e vestiu-se de modo displicente. Iria ao cinema à tarde ou faria qualquer coisa divertida, fora da rotina. Passou rapidamente pela copa, tomou uma xícara de café, beijou os pais e foi para o escritório.

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Ele foi acordado pela mãe.

- Esse menino não tem jeito, desde criança é assim. Nunca sai da cama no horário certo.

Arrastou-se até o banheiro. Decidiu não fazer a barba. De novo. Tomou um banho rápido e vestiu-se de maneira básica, com sua camiseta do Sonic Youth um tanto surrada. Comeria algo no café ao lado da agência ou, mais uma vez, pularia "a refeição mais importante do dia" que a mãe cansava de repetir.

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Quinta-feira. Ela saiu mais cedo do escritório. Encontrou-se com a Fê e Lu no bistrô para o qual ele sempre torcia o nariz - "lugar de patricinha", dizia. Pediram um vinho tinto e abriraram os trabalhos do consultório sentimental. E advinha quem deitaria no divã?

- E aí, como foi a conversa?
- Ah, Lu...ele não quer assumir nada agora porque aca...
- Acabou de sair de um relacionamento complicado, interrompeu Fê fazendo o sinal de aspas com desdém.
- Pois é.
- Olha, eu acho que você merece coisa melhor. Desculpa, ele nem é bonito, continuou Fê.
- Eu acho ele bem interessante sim. Não é como os outros caras com quem namorei...ai, o que eu estou dizendo? Ele nem é meu namorado!
- E você, bonita, inteligente e bacana vai ficar na mão desse cara? Da disponibilidade dele?
- Não é simples assim Fê.
- Você tem que saber até onde você consegue lidar com isso. Te conheço há quantos anos? Doze, dez...sei lá. Nunca te vi alternando tantos sentimentos, é uma verdadeira montanha-russa essa relação, analisou Lu.
- Por favor, não me venham defender o Cris, dizer que ele é o amor da minha vida e toda aquela conversa fiada.
- A gente gosta do Cris, mas pode aprender a gostar desse cara, desde que ele te mereça, sentenciou Lu.

Duas garrafas depois, seguidas dos mais diversos assuntos, ela se viu no banheiro. Telefone na mão. Ligaria? Mandaria mensagem? Ligou! Ele não atendeu. Ficou irritada.

Em casa, ela insistiria mais umas duas vezes. E dormiria com uma série de perguntas sem respostas.

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Ele ficou até depois do expediente na agência. Enfim, a campanha saiu. Podia ter ido com o pessoal para tomar uma cerveja, mas estava morrendo de sono. Dormiu com tênis e tudo. Chegou a ouvir o celular tocando, no entanto, tratou de mudá-lo para o silencioso. Quem estaria ligando àquela hora? Não importava. Podia ser a Zooey Deschanel que ele não faria esforço algum.

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Ela acordou de ressaca, avisou no trabalho que não iria de manhã. Ficou no quarto, assistindo a desenhos animados na TV.

- Filha, quer uma vitamina de mamão ou algo assim?
- Não, mãe. Daqui a pouco eu levanto e como algo. Não se preocupe.
- Sim, eu me preocupo. Você chegou aqui completamente bêbada e agora está aí desse jeito. Honestamente, o que está acontecendo?
- Não é nada, mãe. Me deixa sozinha, por favor.

Antes que a mãe virasse as costas, começou a chorar. Abraçou o travesseiro para sufocar a vontade de gritar. Para piorar, era o dia do fatídico show. Nem queria ir mais. Culpa dele! Haviam combinado! Quer dizer, ela havia avisado...não importa. Ele não dava a mínima. E não deu mesmo porque nada de mandar uma mensagem sequer.

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Ele levantou da cama bem disposto. Dormiu quase dez horas! Fez a barba e tomou um banho demorado.

Ao sair, notou que se esqueceu de carregar o celular de novo, não haveria como saber quem ligou de madrugada. Precisava comprar um smartphone. Odiava celulares, telefones em geral. Mas era chato não conseguir identificar chamadas perdidas. Será que era ela? Imediatamente, recordou-se daquele sorriso fácil e da mania que ela tinha de mexer na franja. Estava com saudade, ligaria no fim do dia, talvez para combinar um cinema no domingo. Aí lembrou-se do tal show que ela disse ter comentado. Imaginou que não seria uma boa ideia, já que ela poderia retomar algum tipo de cobrança ou ser bem blasé reforçando que "tudo bem, irei com as meninas".

Tomou café sozinho. A mãe cobriu o bolo, o pão e a garrafa de café com um pano.

- Filho, o queijo e o suco estão na geladeira.

"Roubou" o jornal do pai para ir lendo as notícias no ônibus. Na verdade, o guia cultural para saber que filmes estavam em cartaz. A semana voou e ele nem viu passar.

Continua





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