No Pandora

Foi publicada hoje minha crônica no Pandora, do jornal O Tempo. Deixo aqui meu agradecimento especial para a querida Natália Dornellas, editora do caderno. E reproduzo abaixo para quem não leu.

Um amor para reencontrar


O vídeo da artista Marina Abramovic, que circulou pelas redes sociais há algumas semanas, me fez perder o fôlego. Eu estava na redação e olhei para os lados, preocupada com o primeiro que flagrasse não só a minha pequena transgressão de não estar fechando um texto, mas também com as lágrimas que escorriam sem eu pedir.


Marina Abramovic, para quem não sabe, viveu com Ulay, por cinco anos, um amor intenso - passaram dez dias na cama - e decidiram transformar o fim do relacionamento em uma quase performance. Cada um partiu de um extremo da Muralha da China para dar o último abraço. E não se viram por anos. Até que os dois se reencontraram na recente exposição de Marina, quando Ulay apareceu de surpresa. E foi um daqueles silêncios que conseguem dizer tudo, deixando reticências no ar.


É quando a vida parece imitar um dos meus filmes favoritos, "Antes do Pôr do Sol", de Richard Linklater. O norte-americano Jesse (Ethan Hawke) e a francesa Celine (Julie Delpy) são jovens que se conheceram numa viagem de trem pela Europa - no caso, no longa que deu origem aos outros da série, "Antes do Amanhecer" - e marcaram um encontro que não aconteceu. Nove anos se passam até que ela vai ao lançamento do livro dele em Paris.


Jesse está casado, e sua personagem é aquela garota com quem tinha passado a madrugada em Viena. Celine continua engajada e encantadora. Os dois dividem uma tarde juntos e percebem o quanto aquela memória afetiva ficou impregnada em todos os sentidos.


Saí do cinema desidratada. Tenho o DVD em casa e sempre o revejo quando eu quero acreditar no reencontro. Talvez até comigo mesma, pois sempre fiz questão de colocar o ponto final em todos os meus relacionamentos amorosos, mesmo que eu parecesse hesitante durante aquele momento triste em que se estabelece o acordo de que a separação é o melhor a se fazer.


Dentre os ilustres desconhecidos, tenho bons amigos que reviveram velhos amores. Já vi um casal renovando votos anos após o próprio divórcio. E outro, formado por ex-namorados da adolescência.


Depois do rompimento, eles se esbarraram um dia, no tempo em que o tempo varreu mágoas e ressentimentos. Todos vinham de outros casamentos, sabiam onde estavam pisando. E, mesmo assim, decidiram retomar o romance.


Confesso que há em mim um alguém que mata, aos poucos, aquele que já foi a razão de sorrisos e suspiros, com quem fiz viagens e planos de todo tipo. Não sei se é uma combinação astrológica de áries, câncer e escorpião. Prefiro pensar que sempre rezei a cartilha do Paulo Mendes Campos para soar mais poético: "O amor acaba".


Mas, e se não acabar?

Marina, Ulay, Jesse, Celine e esses meus amigos anônimos sempre abalam um pouco as minhas certezas.

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