Parte final

Noite de sexta-feira. Ele tomou três chopes com a turma da agência. A campanha havia sido aprovada. O diretor de criação queria promovê-lo, estava tudo perfeito. Sábado com os caras e domingo um cineminha com aquela menina mimada por quem tinha se apaixonado. Que se dane o medo ou o fantasma da Lívia, a gente vai namorar, pensou.

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Ela chegou em casa e se trancou no quarto. Havia mensagens no celular. Lu, Ju, Fê e até mesmo Bia, irmã do Cris. Não iria responder ninguém. Só pensava nesse abismo que existia entre eles desde a terça-feira, nas chamadas insistentes não retornadas, no fato de ele ter ficado offline esse tempo todo. Isso nunca aconteceu com ela! Jamais foi esnobada assim! Quem ele pensa que é?

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Sábado, oito da manhã. Cláudio estava na porta da casa dele.

- Porra, cara, você vive atrasado! Pedrão já está no sítio e pediu para levarmos mais gelo.
- Foi mal. Você sabe que não consigo acordar cedo.

Cláudio aumentou o volume do som e foram ouvindo Metallica durante todo o trajeto.

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Ela decidiu trabalhar um pouco, adiantar projetos, tirar aquela fritação de sua mente inquieta. Respondeu aos e-mails pendentes também. Livrar-se da tralha acumulada fazia bem. Ao menos, foi o que aprendeu num curso de Feng Shui. Sentiu-se tão disposta que foi até a cozinha, tomou um iogurte e levou Nico, o cão temperamental da mãe, para um passeio.

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A tarde dele seguiu animada. Churrasco, cerveja e futebol com os caras. Deviam fazer isso mais vezes. Mas Pedrão iria se casar. Luiz e Léo tinham namoradas chatas e ciumentas. Só Cláudio, super pegador, estava sempre disponível. Ele, aliás, puxou o assunto.

- E aquela gatinha que você está comendo?
- Para com isso, cara, mais respeito!
- Ele é meio patricinha, né? Decoradora?
- Arquiteta, Cláudio. E estou afim dela.
- Dou o maior apoio! Veja eu: era um traste antes da Aline, palpitou Léo.
- Bobagem! Acho que depois da Lívia, você tinha que pegar geral, dar um tempo de compromisso.
- Cara, ela vale a pena. É linda, gostosa, divertida, inteligente...enfim, vou ligar para ela.
- Não faz isso! Não pode dar esse cartaz todo não...

Ele pegou o celular e adivinha? A bateria arriou. De novo.

- Te empresto o meu, disse Luiz.
- Não adianta. Não sei nem o telefone da minha mãe de cor.

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Ela almoçou com a família, deu um pulo no shopping e checou o celular um milhão de vezes. Claro que ele não ligaria em meio ao "sensacional churrasco com os caras". Odiava esse cumplicidade dos homens em alguns momentos. Pensou em ligar para o Cris, que arrastava toda a companhia de trens urbanos por ela. Desistiu.

Foi quando Mari ligou.

Mari, a amiga jornalista meio louca. Estudaram a vida inteira juntas. Perderam o contato na época da faculdade, mas tinham um carinho imenso pela outra. Água e vinho. Mari fumava maconha, bebia todas, beijava meninas, era tudo que ela jamais teria coragem de ser. Mari foi quem apresentou a ela aquele cara que "tem tudo a ver com você".

- E aí, lindona? O que está aprontando?
- Tô no shopping. Nada de mais.
- Vai encontrar o guapo hoje?
- Não, as coisas estão meio estranhas entre a gente.
- Então, parte para outra.
- Pois é.
- Vamos sair para dançar hoje?

Hesitou. Em todas as baladas com a Mari, passou dos limites. Participou de um campeonato de tequila incerta feita no qual chegou a tirar a camiseta.

- Pode ser.
- Ótimo. Vamos de táxi. Passo na sua casa às dez.

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Ele chegou em casa meio bêbado e apagou. Acordou depois de um sonho estranho. Carregou o maldito celular e ligou para ela.

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Ela estava com o secador na potência máxima. Fez uma "make" meio vamp. Vestiu-se rapidamente, pois Mari costumava ser pontual. Jogou o celular na bolsa e foi para a balada com a amiga.

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Onze horas. Ele pensava nela. Foi um babaca. Devia ter mandado uma mensagem nos últimos dias. Ela não era como as outras. Na verdade, era justamente aquela sensibilidade que o comovia. Ele se lembrava do dia em que ela colocou Cat Power no player e ficou cantarolando "Sea of Love" sorrindo para ele. Que tipo de idiota não namoraria uma menina assim?

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Elas estavam no inferninho-mor da cidade. Foi ali que os dois ficaram pela primeira vez. Tocava Franz Ferdinand e ela disse para ele que Glasgow era encantadora. Ele respondeu: não conheço. E, na sequência, a beijou de um jeito bastante desajeitado.

Pediu uma vodka pura com gelo. Contou para Mari a conversa sobre namoro, o sumiço dele.

- Gata, se ele não correu atrás de você é porque é um babaca! Tá vendo aquele cara ali? Está te secando!

Mari saiu para fumar sem ela algumas vezes. Conhecia todo mundo...e ela ali na sua terceira dose.

A vodka foi tornando aquela noite mais suave. Não sentia nada.

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Ele estava inquieto. Ligou para ela algumas vezes e nada. Enviou mensagens também e sentiu-se patético. Decidiu, então, tomar uma cervejinha naquele inferninho em que se conheceram. Ligaria de novo no domingo, depois do almoço. Última tentativa.

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Ela dançava de olhos fechados e cantava: "candy, candy, I can let you go". Quando se tocou, o tal sujeito que a secava estava acompanhando sua coreografia nonsense.

Ele se apresentou. Ela sequer ouviu. Ele fez uma série de perguntas. Ela não decifrou nenhum daqueles enigmas.

Como toda mulher que não sabe o que faz numa hora dessas, o beijou.

Foram para o canto e mal respiravam.

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Depois de uns minutos na porta conversando com conhecidos, ele resolveu entrar.

Mari o viu de longe. Sacou o celular da bolsa, enviou uma mensagem para a amiga. Sim, eles se acertariam, pensou.

Ela precisou ir ao banheiro. Pediu ao sujeito, de quem não sabia o nome, um minutinho.

Ele foi ao balcão, pediu uma cerveja. Achou que estava louco quando a viu em direção ao banheiro.

Ela sentia-se em outra galáxia. Iria para casa. O que estava fazendo?

Na porta do banheiro, deu de cara com ele.

- Eu te vi passando apressada. Liguei algumas vezes. Hoje...hoje eu liguei algumas vezes. Olha, desculpa se pareci um imbecil. Não soube lidar com aquela história do namoro e...

- Esse cara está te enchendo, gata? Perguntou o ficante do qual não sabia o nome, segurando sua cintura e dando um beijo molhado em seu pescoço, sugerindo uma intimidade de anos.

Ela não conseguiu dizer uma palavra.

Ele franziu a testa, balançou a cabeça e foi embora.

O sujeito quis mais um beijo e fui empurrado.

- Quê isso, gata, você bem que estava curtindo...

Ela não o alcançou, não teve forças. Mari estava na porta, atônita.

Abraçou a amiga e chorou.

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Ele não ligou no domingo e nos dias seguintes. Passou a sair com Cláudio com frequência.

Ela ligou, mandou mensagens e desistiu.

Meses depois, ele ficou sabendo que ela voltou para o almofadinha babaca.


Fim




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