Amostra Grátis (ou Das Impossibilidades)

Saudades do telefone fixo, de ouvir do outro lado a voz do rapaz marcando um cinema. Me lembro com carinho das festas "meninas de um lado" e "meninos do outro" feitas nas salas de estar, com luzes apagadas. E consigo tirar da memória exatamente aquela em que o primo de uma amiga me tirou para dançar "Hunting High and Low". Eu tinha 14 anos e ele 18. Eu era bobinha que só e estava vestida com uma camiseta de malha e um short roxo. Ele havia acabado de passar no vestibular, estava com o cabelo raspado. No fim da noite, que nunca atravessava a madrugada, alguns beijinhos e meu telefone anotado num papel.

No dia seguinte, ele ligou. Não sei ao certo se fomos ao cinema ou tomamos sorvete. Mas houve a possibilidade. Nós dois, por razões distintas e comuns, vimos que nossos passos na pista e nossos (ao menos os meus) beijos desajeitados estariam num lugar caro, com gosto de bala ice kiss. Seguimos adiante.

Como aquele moço, outros fizeram meus pais reclamarem que não eram "sócios da Telemig" por uns bons anos. E, obviamente, houve também a espera ansiosa por ligações que não vieram. Os tempos do Gran Bell não impediam o próprio roteirinho "Ele não está tão afim de Você" que as garotas sabem de cor e salteado. No entanto, digo isso assumindo todo meu saudosismo, eram tempos de possibilidades. Estranho pensar que elas se limitavam ao telefone fixo e hoje o contato pode vir pelos mais diversos meios. Só que o celular não toca e a mensagem não chega. As festinhas que começavam às oito ficaram para trás...

Os anos varreram aquele frio na barriga, ainda que trouxessem uma boa dose de coragem, de tomar as rédeas das próprias vontades e, por que não, convidar aquele rapaz que pareceu especial para sair. E par de vários conselhos de algumas amigas, que sugeriram que eu esperasse, funcionou em mais de uma circunstância. Teve reencontro, só para saber mesmo o que os dois queriam. Já quis a mesma coisa, já não quis mais nada. Eu e o cara pudemos, enfim, diante das possibilidades escolher.

Conversando com amigas e amigos que compartilham o mesmo barco, constantemente me pergunto: estamos nos tornando piores? Não temos tempo, paciência, disposição e segurança para o que vem depois. Porque aquele lugar só fica bom após a meia-noite. Lá pelas duas pode haver uma pegaçãozinha básica, que fica nisso ou evolui para aquilo. E só. Somos amostras grátis de nós mesmos. E no dia seguinte é acionar o recurso "brilho eterno de uma mente sem lembranças" porque se foi bom ou ruim, foi. Simplesmente.

Eu faço a mea culpa. Deixei, nos últimos meses, de dar meu telefone (ou seria esperança?). O fato é que o que há disponível nesse clube de corações solitários às vezes cansa e, às vezes, a gente não repara mesmo. Em algum momento, dancei com um cara que queria dançar de novo. Porém sei que as chances de repetir a dose são pífias. Uma amiga me disse outro dia: "só há a primeira ficada. Não existe mais sair de novo com o mesmo cara". A constatação dela, após experiências frustrantes, reforça mais do que o coro. É mesmo uma nota dissonante.

Ter gostado de passar meu precário tempo com alguém não pressupõe, ao menos para mim, em especial nessa altura do campeonato, a necessidade de um compromisso imediato. Eu quero apenas a possibilidade. E acho honestamente uma pena que aquelas "meninas de um lado" e "meninos do outro" cresceram acreditando que quem corre atrás de mais uns beijos, um café ou um filme está carente, desesperado e querendo amarrar o par da festinha em algo definitivo.

Tememos a luz do dia, o olho no olho, o telefone armazenado na agenda?

Eu quero ser passível de ser possível quando realmente valer a pena. Tenha o nome que isso tiver.









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