Last Nite

Ele não se importou com as pessoas que dançavam com ela. Foi movimentando-se lentamente e esperou o fechar dos olhos, naquele refrão conhecido, para beijá-la sorrateiramente. Ela correspondeu e deliciou-se com a boca macia, o gosto de hall's extraforte.

Foram para o cantinho mais escuro do clube para mal conseguirem respirar. Ela brincou de "jogo da amarelinha" com ele, fazendo daquela boca a mais desejada. E se o mordia, a dor era suave, como o cheiro dele.

Resolveu se apresentar porque sentia a necessidade do nome. Arriscaram uma conversa que a música interrompia. Contudo, queriam mesmo ficar ali se beijando, de modo interminável. Ele propôs que saíssem de lá. Ela inventou uma desculpa para não passar as horas que restavam até o sol sair na casa daquele desconhecido. Não colou. Ela queria ir. Foi.

Caminharam pela avenida larga de mãos dadas, falando sobre planos de vida. Tinham ido, dois anos antes, ao mesmo show incrível e não puderam ir a outro que muito queriam. Por coincidência, mencionaram outro artista que não perderiam por nada quando novembro chegasse. Não se esbarraram no primeiro espetáculo e, talvez, nem se encontrem no próximo.

Seguiram divagando sobre bandas até entrar na rua dele, que tinha o nome da estação preferida dela. Ele disse para ela não reparar a bagunça do apartamento, que não parecia de alguém que morava sozinho. Ela mal conseguia enxergar naquela penumbra, mas também não se importava com a luz.

Ele estava nervoso, excitado e desajeitado. Ela começou a tranquilizá-lo com beijos lentos enquanto tirava o vestido. Foram ajustando os corpos naquela cama enorme e nem sentiram o vento frio, que assoviava. Estavam, mais uma vez, cercados pela música.

Não foi definitivamente a performance mais incrível da vida dele. E disso os dois sabiam. Faltava a tal "pegada", um pouco mais de prática. Enfim. Para ela não havia decepção, ainda mais porque ele tinha uma espécie ternura que a comovia. Quem sabe fosse a inocência que os anos iriam tirar.

Se abraçaram e conversaram sobre amor. Porque ele queria compor canções de amor, no entanto sentia dificuldade por não ter vivido um que durasse mais de três meses. Ela já havia amado intensamente. Tinha lá seus cortes, alegrias e ressalvas, de modo que podia escrevê-lo, descrevê-lo, riscá-lo, buscá-lo de novo um dia, se quisesse.

Ele se vestiu e fez o pedido que ela costumava abominar nos últimos tempos: o telefone. Aquela medida protocolar fazia parte do pacote, só que era possível fugir. E foi o que ela fez. Pediu para ir ao banheiro. Se arrumou lentamente, um pouco melancólica. Voltou ao quarto escuro e pediu que ele fechasse o zíper de seu vestido e lhe chamasse um táxi.

Ele fez questão de descer com ela até a porta do prédio. Ficaram grudados naquele gelado amanhecer vendo o céu mudar de cor. Beijaram-se pela última vez, sendo interrompidos abruptamente pela buzina do taxista. "Love is noise", como ensinou The Verve. E o que está em algum lugar inclassificável também.

Ela não olhou para trás, não deu números, nome completo ou algo do gênero. Algumas pistas de como achá-la foram sutilmente espalhadas por uma questão de delicadeza, sem que isso fosse realmente importante para ambos.

Quando chegou em casa, tomou um banho quente e foi dormir com muita vontade de sonhar.

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