"Eu vou fazer um iê-iê-iê romântico, um anti-computador sentimental"

Escreveria uma carta de amor. Páginas e páginas de papéis coloridos, especialmente escolhidos para abraçarem suas mais doces palavras. Tinha computador, mas preferia imprimir sua letra naquele espaço, como se fosse uma tatuagem.

Passou o dia esperando o final do expediente, o término da aula. Chegou em casa com aqueles tons na mochila e o coração em disparada. Esperou que todos fossem dormir.

Fixou seu olhar na janela, pediu para que as estrelas derramassem ali um tantinho delas mesmas antes de lacrar o envelope. Queria que ele recebesse estrelas, mesmo que a carta chegasse num dia chuvoso.

Usou a folha branca até lotar o lixo de bolinhas. A madrugada era paciente, no entanto nada do que ela sentia tinha a ver com tranquilidade. Sentia-se à beira de um precipício, estranhamente adorando a altura.

Resolveu ouvir música, lembrando-se do domingo em que ele ligou "naquela tarde vazia e lhe valeu o dia".

Os parágrafos, então, disputavam lugar naquele espaço. Alguns seriam preteridos porque simplesmente era necessário deixar que as entrelinhas participassem da carta.

Já era dia quando assinou.

Não sentia sono, fome ou cansaço. Somente a vontade de que sua carta fose teletransportada imediatamente.

O problema agora era o tempo que levaria para os Correios abrissem. E não é que ao longo de seu trajeto quis voltar para trás?

Não era pouca coisa que levava consigo. Era uma carta de amor. Tinham trocado e-mails, telefonemas e confidências...nunca uma carta de amor.

Um dia e meio.

Quando vê o código de longa distância no visor do celular, treme. Do outro lado, ele diz que foi tão inesperado quanto lindo.

Pensou nas estrelas, naquele momento, se espalhando pelo apartamento dele ..."São os meus sonhos que eu estendi a teus pés; Sê suave no pisar, que pisas os meus sonhos".

Poucos dias depois, os dois se encontraram.

Alguns dias depois, ele desapareceu.

Chorou ao se dar conta de que suas folhas coloridas, estrelas e beijos foram jogados naquele precipício que vislumbrou antes de redigir carta. E isso foi há quase 15 anos.

Mas pensa em folhas coloridas quando pede às estrelas um amor. Haverá de, um dia, escrever novamente uma carta como aquela.

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