O efeito óleo de fígado de bacalhau

Quando eu era criança, sempre que meus pais queriam enfiar uma comida ruim na minha goela apelavam para a chantagem dos seres humanos que, como eles, um dia tomaram óleo de fígado de bacalhau. Pois o elixir tinha o gosto da maldade e era preciso tomá-lo para crescer e ficar forte. "Dobradinha lhe parece ruim? No meu tempo a gente tinha que tomar óleo de fígado de bacalhau", diziam. O argumento nunca me convenceu e meu artifício - como o de qualquer pimpolho esperto - era abrir o berreiro e comer ovo frito com arroz. Me lembrei disso por causa da lei da compensação: você toma o remédio pavoroso para curar a gripe, você lambe a colher do xarope e lá vai a bola de sorvete extra.

Um dia a gente cresce e sente saudade dessas barganhas. Quisera eu tomar óleo de fígado de bacalhau e folgar em todos os feriados como recompensa ou mesmo comer a tríade abominável (dobradinha, bife de fígado e bacalhau) toda semana e ver minha conta bancária sem um rombo sequer. Era melhor mesmo a injeção, o supositório, o shampoo anti-piolho + pente fino na cabeleira. Eles pelo menos rendiam, no mínimo, o colo da mamãe, que morria de pena de todo aquele sofrimento.

No final de semana, inverti os papéis: tratei de aliviar toda chateação diária na casa de campo da Marianinha, em Águas Claras. No sábado ela e a Maria Ângela me pegaram de tarde e ficamos ouvindo música, batendo papo, tomando vinho e comendo folhados deliciosos. No domingo, o Sérgio chegou e a Manu passou por lá. À noite jogamos Master e rimos muito. Dormi como não fazia há tempos e voltei para a cinzenta cidade, que não sabe se abre ou fecha naquilo que alguém convencionou a chamar de feriadão.

Notícia chata foi saber da morte do Fernando Sabino. Ele era o autor de um dos livros mais bonitos que eu li, O Encontro Marcado. O mundo fica mais pobre quando uma pessoa que escreve tão bem se vai...Por isso, uma homenagem.

Conversinha Mineira - Fernando Sabino

- É bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo?

- Sei dizer não senhor: não tomo café.

- Você é dono do café, não sabe dizer?

- Ninguém tem reclamado dele não senhor.

- Então me dá café com leite, pão e manteiga.

- Café com leite só se for sem leite.

- Não tem leite?

- Hoje, não senhor.

- Por que hoje não?

- Porque hoje o leiteiro não veio.

- Ontem ele veio?

- Ontem não.

- Quando é que ele vem?

- Tem dia certo não senhor. Às vezes vem, às vezes não vem. Só que no dia que devia vir em geral não vem.

- Mas ali fora está escrito "Leiteria"!

- Ah, isso está, sim senhor.

- Quando é que tem leite?

- Quando o leiteiro vem.

- Tem ali um sujeito comendo coalhada. É feita de quê?

- O quê: coalhada? Então o senhor não sabe de que é feita a coalhada?

- Está bem, você ganhou. Me traz um café com leite sem leite. Escuta uma coisa: como é que vai indo a política aqui na sua cidade?

- Sei dizer não senhor: eu não sou daqui.

- E há quanto tempo o senhor mora aqui?

- Vai para uns quinze anos. Isto é, não posso agarantir com certeza: um pouco mais, um pouco menos.

- Já dava para saber como vai indo a situação, não acha?

- Ah, o senhor fala da situação? Dizem que vai bem.

- Para que Partido?

- Para todos os Partidos, parece.

- Eu gostaria de saber quem é que vai ganhar a eleição aqui.

- Eu também gostaria. Uns falam que é um, outros falam que outro. Nessa mexida...

- E o Prefeito?

- Que é que tem o Prefeito?

- Que tal o Prefeito daqui?

- O Prefeito? É tal e qual eles falam dele.

- Que é que falam dele?

- Dele? Uai, esse trem todo que falam de tudo quanto é Prefeito.

- Você, certamente, já tem candidato.

- Quem, eu? Estou esperando as plataformas.

- Mas tem ali o retrato de um candidato dependurado na parede, que história é essa?

- Aonde, ali? Uê, gente: penduraram isso aí...

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