Farmácia

Tento me lembrar dos itens que faltam. Não sei se a cartela da pílula está no fim, se há o remédio para sinusite em casa. Pego apenas a solução para lentes de contato. Deveria aproveitar o colírio, embora tenha aflição de usá-lo. Misturo colírio e delírio na fila do caixa. O cara engravatado na minha frente desabotoa a camisa impecavelmente passada. "Estou um molambo", penso. Ele borrifa o desodorante ali, no meio das pessoas, no começo do dia. Paga em dinheiro, não quer o CPF na nota. Possivelmente não tomou café. Ele tem cara de café de cápsulas. Ouço um "próximo, por favor" cheio de tédio. Dou bom dia sem resposta, CPF na nota e recuso a promoção de levar duas vitaminas. Só me lembro da caixa cheia, de a a zinco, que era para ser aberta diariamente. Dispenso a sacola, jogo a embalagem na bolsa e saio de lá com olhos espremidos. Esqueci os óculos escuros. No dia anterior foi o bloquinho. Penso no quanto me identifico e me distancio do homem que usou o desodorante sem o menor constrangimento. Há meses não saio de casa com uma camisa bem passada.

Comentários

  1. Ludj,
    As vezes penso nas farmácias como armadilhas de humanos... todos nós, vez por outra, numa aleatoriedade democrática, caímos como presas nesses lugares. E por alguns minutos observamos nossos semelhantes (nem tão semelhantes assim) com a surpresa de quem vê um animal exótico. O constrangimento é inexorável ao comprar preservativos, pílulas azuis, pomadas suspeitas, remédio para vermes, lenços higiênicos, absorventes... Nessas estranhas armadilhas nos surpreendemos com o limites da nossa humanidade... Você com sua sensibilidade doce, retrata em prosa essa aventura...
    Beijo.

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  2. obrigada, querido. beijos

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