Coragem

Tenho recebido aqueles olhares familiares de "como você tem coragem?". Não consigo formular tantas respostas além da óbvia: se não der certo, vira aprendizado. Foi o que aconteceu há quase 10 anos. Eu estava cansada da cidade onde nasci e insatisfeita com a estagnação do meu trabalho. Não havia nada para receber (férias, décimo terceiro, fundo de garantia) e eu não tinha reservas para passar mais do que um mês sem trabalho.

Um amigo me recebeu em sua casa, para ficar o tempo que precisasse. Afirmei algumas vezes que ele é das poucas pessoas nessa vida que não ouvirão de mim a palavrão não. Ando ampliando os nãos de maneira progressiva, mais por maturidade do que por instransigência. Por menos que eu ande na linha, sempre fiz terapia, acupuntura, tratamento com homeopatia e, agora, yoga para encontrar respostas. Voltando àquela época em que larguei tudo, a entrevista de emprego que agendei deu certo. Porém, o editor sofreu um acidente e foram quase três semanas de atraso para a contratação. Não foram poucas as vezes em que fiquei com medo.

O que fiz nesse tempo? Vivi a cidade. Andei no centro, frequentei os cinemas nos horários mais baratos, procurei temas para me inspirar. Logo surgiu um freela numa revista para a qual fiz vários outros. Veio o trampo, consegui alugar um apartamento e tive boas oportunidades. Nada foi chance de ouro. Foram mais tapinhas nas costas dizendo que eu era boa no que fazia do que necessariamente uma compensação financeira. Aprendi que na ausência do jantar - minhas prateleiras viviam vazias - a espiga de milho verde do metrô era uma ótima opção, que os livros que eu ganhava das editoras, depois de lidos, podiam ser vendidos para que eu pudesse tomar uma cervejinha com amigos.

Quando conto meu ano e meio em São Paulo para as pessoas, a maioria diz: eu não teria essa coragem!

Fico pensando se é isso mesmo. E tenho até outra versão: sou movida pela minhas insatisfações. Como tendo a reclamar muito, existe um ponto em que eu simplesmente não me suporto. Esse é o momento de seguir em frente. O passar dos anos me fez enxergar, no entanto, que não preciso ficar muito tempo adiando o inevitável. Se vou mudar de ares, de trabalho e de relação é melhor que seja o quanto antes. Não minimiza impactos, não cura ansiedade, não faz o dinheiro cair do céu. Por outro lado, abrevia o desconforto (ironicamente, ficar na mesma é zona de conforto) e dá uma sensação de liberdade.

Estava ouvindo Legião Urbana outro dia (nunca fui propriamente fã da banda) e me prendi ao refrão que se encaixa como luva neste meu agora: "disciplina é liberdade, compaixão é fortaleza, ter bondade é ter coragem". Com esses pilares, vou construir outra coisa. Saí de um emprego onde estava há quase um ano para realizar projetos que sempre adiei porque decidi que seria o melhor momento. A primeira coisa que me ocorreu foi me organizar melhor. Ter, enfim, aquele tempo para ler, pesquisar, escrever e me movimentar em outros sentidos, pois não se trata de descobrir o novo lá fora. Eu preferia uma passagem para outro continente, mas não será possível.  Vou intensificar a yoga, cuidar do meu jardim, de quem eu amo e de mim. Desta decisão virão momentos diversos, alguns pelos quais atravessei um dia, outros completamente ocultos. O depois dirá. 


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