A última colaboração

Demorei a publicar por aqui. Minha última crônica para o Pandora. Eu me despedi de um espaço muito querido no último mês por alguns motivos, sendo a falta de tempo o principal. Carinho e gratidão imensos sempre irão permear a relação.

O primeiro dia

Há uma cena do filme “Vicky Cristina Barcelona” em que uma das protagonistas revira a mala e troca de roupa diversas vezes para passar a impressão de não estar tão ansiosa pelo encontro com Javier Bardem. Woody Allen traduz nossas fragilidades e inseguranças e as converte num sorriso reflexivo. Afinal, quem nunca?

Eu me lembro de ter usado amarelo quando fui fazer uma prova para trabalhar emO TEMPO. Quando vi os concorrentes todos discretos, nos mesmos tons, pensei: e agora? Seria impossível voltar para casa e improvisar um terninho. Eu havia escolhido amarelo porque era a cor da sorte da minha avó. Deveria ter lido aquele famoso consultor de etiqueta corporativa? Não necessariamente.

Eu, a roupa e o primeiro dia para quase tudo na vida somos um eterno caso pitoresco. Como Vicky, eu visto todo tipo de proposta num encontro. Quando conheci meu marido, estava num vermelho decotado e o puxei, tímido que só, para dançar The Cure. No meu primeiro dia no novo emprego em Brasília, mandei os looks por WhatsApp para minha mãe e minha irmã escolherem. Estava ótima de seda verde até babar com a espuma do creme dental no tecido depois do almoço. Pronto, será que vão me achar meio pateta? Ao menos, meus dentes estão branquinhos, pensei.

Primeiro dia é dia de frio na barriga, dia de “o que é que vão pensar de mim”, dia de “não acredito que falei essa besteira” e daquelas apresentações formais. Conto para que chegue lá pelo sexto ou oitavo dia para poder quebrar o gelo, usar um tênis ou sugerir: a gente bem que podia combinar um café, heim? Admito que ainda me atrapalho com o tal do “Casual Friday,” aquele dia em que os colegas da firma usam jeans. Já apareci de camisa social e me senti tão inadequada quanto a personagem título vestida de coelhinha na cena de “O Diário de Bridget Jones.”

Quando o tempo passa sem que eu perceba, vou alternando dias de ficar enrolada na toalha – bolando duas ou três possibilidades de vestir que dependem do meu humor, do meu manequim e do que quero dizer para o mundo – com dias de essa combinação está ótima, é o que temos. Eis que chega o último dia. Ele, de alguma maneira, me despe. Penso que nada cabe porque sobra tanto a se dizer, tanto a querer o impossível: de se voltar atrás, de fazer de outra maneira, de ter usado mais amarelo. Queria ficar um pouquinho mais pelo respeito e pelo carinho que construí com a turma da redação e com os leitores nos últimos anos. A eterna falta daquele outro tempo não me dá alternativas. Certamente, não agradei todo mundo, mas fiz o meu possível, como se estivesse vestindo a roupa do primeiro dia. Muito obrigada, um abraço e até, breve quem sabe.


Ludmila Azevedo é jornalista, pós-graduada em cinema e escreve essas e outras crônicas no ludj.blogspot.com.br.

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