Fraldas

Quando eu era criança, pedi para minha avó Celinha me ensinar a rezar o terço. Meu pai vivia praguejando contra o catolicismo. Minha mãe achava que eu tinha o livre-arbítrio para ter a religião que quisesse. Até o início da adolescência, o catolicismo fazia muito sentido para mim.

A ruptura aconteceu quando comecei a estudar história e tomar conhecimento da atuação da igreja desde a Idade Média. Eu certamente iria para a fogueira se tivesse vivido naqueles tempos. Depois, um professor de religião, que era seminarista, deu uma aula só para as meninas sobre aborto, com direito a um vídeo extremamente apelativo e um pacote de lições de moral: "se você fizer sexo antes do casamento, Deus castiga". "Se engravidar, tenha a criança, não importa quem é o pai". "A responsabilidade é toda sua". "Nós católicos condenamos pílula e camisinha".

Naquele dia, peguei meu terço e expliquei para Deus, para Jesus e para as minhas imagens de santos que não dava mais. Eu seguiria com eles, mas não com professores de religião, papa, padres, madres e, especialmente, fiéis. Não dei o desgosto de contar para minha avó em seus últimos anos, embora soubesse que ela entenderia a não prática religiosa, com tendência a buscar outra maneira de exercitar minha espiritualidade.

Respeito os católicos na medida em que eles não coloquem o dedo no meu nariz para dizer como eu devo seguir minha vida. Sou a favor de vários tópicos que a religião condena e tenho a certeza de que não queimarei no inferno por ser assim. O meu Deus acha absurdo tudo que dizem que "está na Bíblia" para justificar até mesmo o assassinato. Meu Deus estende seu descontentamento para os outros cristãos que são assim. Feliz seria a Nação que tivesse o Deus e o não-Deus de cada um, isso sim.

Eu estava justamente pensando sobre minha formação católica circulando no supermercado, depois de um dia extremamente exaustivo, no qual externei minha ira no período da tarde. Foi quando notei que um garoto me seguia. Ele sorriu quando eu peguei um pacote sem graça de torrada, balbuciou algo que eu não entendia.

Falei para o garoto ser mais claro. "Se você estiver falando assim para dentro, não posso saber o que quer". Ele me pediu para eu comprar um pacote de fraldas para a irmã dele. Não foi a primeira vez que isso me acontecia. No mesmo supermercado, semanas atrás, fui abordada por  um adulto querendo dinheiro. Pedi que o garoto me levasse até o local onde estavam as fraldas. Nem sabia que um pacote custava tão caro. "Qual o tamanho da sua irmã?", perguntei. Ele apontou o "M". O garoto olhou para os lados e disse que o segurança poderia mandá-lo sair. "Se ele fizer isso, eu vou junto e a gente compra na farmácia, ok?". Ele me avisou que esperaria do lado de fora.

Quando me viu no caixa com o pacote, veio sorrindo e ajudou a embalar as compras. "Não precisa da sacola, obrigado". Levou as fraldas sem me passar sermão. A moça do caixa já o conhecia. Disse que pouquíssimos compram fralda ou comida para ele. "Infelizmente, não pude fazer mais", comentei com ela. "Se todo mundo ajudasse um pouquinho... a começar por não olhar para ele como se fosse um trombadinha, já ajudaria". 

Não foi meu ato que fez diferença, foi olhar nos olhos daquela criança e perceber seu sorriso por mais de uma vez.

No caminho de casa, me lembrei da minha avó contando a história de que Jesus se vestia de mendigo para testar a bondade dos homens. Mesmo que acredite que é só uma fábula, não deixei de ficar pensando no olhar daquele menino que escolheu a fralda com a Mônica vestida de princesa para a irmã ficar sequinha. 


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