Deus e o Diabo na Terra do Sol


"Tá contada a minha história,
verdade, imaginação.
Eu espero que o sinhô tenha tirado uma lição:
que assim mal dividido
esse mundo anda errado,
que a terra é do homem,
não é de Deus nem do Diabo!"

Este texto não é uma resenha. Muito se escreveu, estudou e se analisou de maneira tão precisa que não me arrisco. Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, segue 50 anos depois de sua realização como uma obra que impacta e provoca a reflexão sobre o Brasil. Os jagunços não estão só naquele sertão de procissões, ladainhas, seca e fome. Andam de cassetetes, agem como Antônio das Mortes cuja a visão de poder resume-se a eficiência da bala. Aliado ao Estado e à Igreja, esperam do primeiro dinheiro e do segundo uma espécie de bênção, algo que os absolva da condenação pela morte dos famintos. Os cangaceiros esses Antônios matam com prazer. Fazem de Lampiões, Marias Bonitas, Coriscos e Dadás mais míticos ainda.

O trabalho de restauro deste filme foi impecável. Infelizmente ainda tratado como luxo, já que as atividades de recuperação da arte de Glauber Rocha estão estagnados. A exibição do longa ontem no Festival de Brasília fez com que eu quisesse ter uma máquina do tempo para perceber Deus e o Diabo na Terra do Sol em 1964, sobretudo sem pessoas filmando e fotografando a tela com suas irritantes luzes azuis ou mesmo conversando em seus celulares porque não conseguem ficar desconectadas. Enxergar outros contextos sempre foi uma urgência para mim. Em meio às impressões registradas em redes sociais que tendem a um (Deus) ou outro (Diabo), vou caminhando meio Manuel, meio Satanás porque acredito que o mar vai virar sertão e o sertão vai virar mar.

Saindo da sessão, querendo conversar sobre Glauber Rocha, atravessei várias quadras conversando com um taxista que disse queria muito ver o filme a medida que eu o retratava. "Mas a senhora sabe, mesmo sendo de graça, as pessoas ficam olhando para quem é mais simples com cara feia", ele argumentou. Como ando mais Corisco provoquei: "Moço, era para eu estar em casa cozinhando para o meu marido sem nem pensar em cinema se não houvesse, décadas atrás, mulheres que desafiassem os costumes dessa sociedade machista em que vivemos". Ele concordou e me prometeu que não iria se entregar.


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