Sobre aquele que cuida

Nos últimos anos, não foram poucos os momentos em que pedi para antecipar nossos encontros. Ele sempre me recebeu com sorriso e um abraço, por mais que eu fosse lhe contar que estava me machucando de alguma forma. Por tristeza ou descontentamento, minhas atitudes faziam com que eu mergulhasse num estranho e escuro lago. E era a mão dele que me segurava quando não queria mais respirar. Firme e terno, ele sugeria que eu simplesmente buscasse a tranquilidade de aceitar a situação. Isso me daria a calma necessária para nadar até a superfície. 

Sabe a imagem tranquila de alguém boiando leve e contente, com o sol iluminando o rosto? Hoje eu me sinto assim. Talvez não tenha chegado à superfície. Talvez falte bem pouco. Eu aceito e aproveito certas calmarias, como o amor que ganhei de presente no fim de uma longa turbulência. Ele foi um dos primeiros a saber, não porque estava no roteiro. Foi porque tantas vezes ouvi: "não te digo isso como médico, e sim porque é algo que eu diria para a minha filha". Com este carinho, ele foi o pai que preencheu a ausência do meu, uma ausência provocada não só pela morte. 

Passei o dia pensando nele, no quanto acreditou e cuidou de mim. Bem que poderia ter enviado um presente, no entanto como a ideia não surgiu antes, telefonei para desejar um dia feliz. No fundo crianças, que deviam ser os netos, faziam aquela algazarra boa da qual todos se lembrarão, como eu me lembro dos domingos na casa da Nova Suíça. Quis agradecer, quis dizer tanta coisa... e as danadas das palavras não saíram. Quem sabe a minha voz embargada e os segundos de silêncio antes de me despedir cumpriram esse papel? Sinceramente, espero.


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