Coletânea

Conversando com uma amiga hoje, senti que havia uma sensação de que eu não estava mais escrevendo. De fato, pouco aqui. Minhas adaptações demandam o exercício de falar menos, observar mais. Estou retomando coisas boas, estou praticando Yoga.  

Também hoje disse para o meu marido o quanto gostava de ter, ao menos um domingo por mês, o espaço em O Tempo, por uma série de motivos. Sou muito grata aos meus ex-colegas e aos amigos que fiz por lá. A ideia de chegar na casa das pessoas, no papel jornal ainda me dá alegria.

Foi quando me dei conta de que por aqui, não estava documentando devidamente minha colaboração para o querido caderno Pandora neste blog, só nas minhas redes sociais. Gosto mais do meu blog do que das minhas redes. De modo, que peço aos leitores que gostam do que escrevo, que leiam a coletânea abaixo com carinho e me desculpem pelo vácuo que deixei desde novembro. 


A era do telefone - agosto de 2014


Já foi bem mais difícil. Quando um dos dois estava a milhas e milhas distante, só mesmo as cartas. Elas demoravam dias para chegar ao destinatário. Foi ali que o Rei Roberto resolveu dar um basta na situação: “Cartas já não adiantam mais, quero ouvir a sua voz, vou telefonar dizendo que eu estou quase morrendo de saudade de você”. Utilizar a invenção de Graham Bell doía no bolso. Tinha gente que esperava o fim da novela das oito para tal finalidade.

Eu fui do tempo da linha fixa, do “não sou sócio da Telemig!”, “pendurada de novo nesse telefone, menina?” quando a conta chegava. O tempo do “desliga você”, “não, desliga você”, “aaah, desligamos juntos em 3, 2, 1...”. E quando me lembro disso, vem a cena de “Friends” em que a Rachel, irritada com o tom meloso do Ross com a Julie do outro lado da linha, faz uma intervenção nada sutil.

A invenção do celular foi uma eternidade para mim. Porque não bastou criarem um telefone que só eu atenderia, sem o risco da irmã mais nova gritar “é seu namoradinho” quando atendia primeiro (e normalmente, do outro lado da linha, havia um dito cujo bem indeciso). Era preciso ter grana para adquirir aquele tijolinho. Os modelos avançaram, por outro lado, numa velocidade incrível, assim como as suas funcionalidades. O simples telefonema se desdobrou em todos os tipos de mensagem, e ainda é possível rastrear o seu amor por meio de um aplicativo. Ficou tão fácil que perdeu a graça.

Eu troco uma infinidade de mensagens de textos diariamente com o meu amor. Não é incomum ficar na dúvida se foi Whats App ou SMS. Mas ando pensando em radicalizar: passar numa papelaria qualquer dia desses para comprar material e escrever uma carta para ele. Na caixa do correio, onde só existem contas e folhetos de entrega de pizza, estaria o envelope escrito à mão, como todo o conteúdo naquela letrinha quase infantil e redondinha. Rechearia de afeto e, especialmente, jogaria fora todas as abreviações, como “vc”, “abs” e “bjs”, desses tempos frenéticos de textos instantâneos. Será que minha ansiedade aguenta?


A grande mania - junho de 2014

No processo da casa nova doei eletrodomésticos, roupas e livros. Outro dia, estava procurando um casaco e me lembrei que ele foi embora nesse ritual de desapego que encheria qualquer monge budista de orgulho. Duas amigas ficaram chocadas com meu espaço compacto para roupas e sapatos no armário. “Como você conseguiu?”, perguntou uma delas. Tudo bem que ocupei um pouco do território vizinho, mas isso fazia parte do acordo.

Arrumando caixas de uma mudança interminável, que chega à fase final, me deparei com uma série de jornais e revistas velhos dos quais simplesmente não consigo me desfazer. São publicações que nem existem mais, que possivelmente os jovens jornalistas nunca tenham visto, como o “Jornal do Brasil”. Meu pai adorava ler aos domingos e eu, de quebra, sempre guardava uma crônica ou uma entrevista interessante. Imagino que tenha sido o começo da minha formação como jornalista. Por isso, um casaco é um casaco. Não tenho como me desfazer daqueles recortes amarelos e fedorentos assim de maneira tão racional.

Juntar papel é uma das minhas maiores manias. Na bolsa, consigo me fazer dos que apelidei de Gremlins – comprovantes de cartões de débito e crédito que se multiplicam como os monstrinhos do filme – semanalmente. Foi um exercício e tanto. Tive que entoar o mantra: “se o banco fizer uma cobrança indevida, eu hei de provar quanto gastei” um milhão de vezes. Até pouquíssimo tempo atrás guardava uma caixa com cartões de visita. Não preciso dizer eles continham números completamente defasados.

Sou a alegria de quem distribuiu panfletos na rua. Guardo alguns, sempre penso que podem ser úteis. Eu vivo dizendo para mim mesma: “pare com isso, Ludmila, qualquer coisa você busca esse marceneiro na internet, onde é possível buscar uma lista já com os orçamentos”. Respiro, conto até dez e fico diante de lixeiras por segundos. Alguns passantes me acham meio louca. No entanto, eu não chego a dizer “tchau panfletinho, foi bom enquanto durou”. Eventualmente, em surtos de arrumação, jogo tanto papel fora que acabo despachando algum documento importante, como comprovante de imposto de renda, a senha da poupança que evito usar, portanto, não memorizo, e assim por diante.

Meu segundo maior tesouro após a caixa de jornais e revistas é a caixa de cartas. Ali estão garranchos de amigas dos anos de colégio (quem sabe elas mal se lembrem de mim?), juras de amor de amores que deixaram de ser, votos de feliz aniversário das pessoas mais importantes da minha vida, muitas das quais não estão mais por aqui. São caixas que, mudanças após mudanças, seguem intactas, e não há quem consiga me convencer a me desfazer delas. Se a vida fosse como no cinema, eu teria uma daquelas portinhas secretas em bancos blindadíssimos para guardar meus amados papéis.


Desfazendo Amizades - maio de 2014


A culpa não é do Zuckerberg. Antes de existir Facebook as pessoas já eram intolerantes. No lugar de utilizar comentários para tecer convicções umbiguistas, timeline como espaço para indiretas e ironias ou o inbox com aquele amigo em comum para certificar-se de que o veneno foi bem destilado, elas sempre se fizeram valer de diversas ferramentas que dariam um livro, não uma crônica. Isso também já foi feito na ótima série “Plenos Pecados”, da editora Objetiva. Peço a licença de retirar a gula e a luxúria do pacote. Os fascículos do livro virtual que andamos escrevendo estão voltados para ira, inveja, avareza, soberba e preguiça.

Tenho observado a rede mais como estudo e menos como usuária – dizem que o Facebook está com os dias contados, mas não quero aqui fazer uma análise de mídia – no entanto, sempre que vou postar uma notícia mais, digamos, polêmica, penso duas vezes. Não é medo das pedras, é preguiça de ter que rebater, eventualmente, argumentos que não me convencem. Exemplos? Sou contra o racismo, a homofobia, o machismo e favorável aos direitos humanos, assim como o direito à manifestação da religiosidade de cada um, para citar um tópico recente (e, num mundo perfeito, que parassem de perseguir quem nem tem religião). Para mim são pontos sobre os quais não há um outro lado. Aliás, tem sim, histórico: o de quem oprime. Por isso, acabo também fazendo parte desse exército disposto a acionar o botão “desfazer a amizade”. E já o fiz dezenas de vezes, sem alarde.

Até então esse bloqueio da vida virtual atingia 99% de ilustres desconhecidos: um músico que me adicionou para eu dar uma força sobre um show que ele faria no roteiro do jornal, um jornalista que tinha muitos amigos em comum, um ex-colega que eu só via no corredor e sequer me cumprimentava (no entanto adorava uma piadinha escrota na rede), por aí vai. A coisa andava bem sutil, até que comecei a ocultar o feed de gente com quem já bebi cerveja e/ou conheço há anos. Como na sabedoria popular, achei melhor dar um peso de ouro ao meu silêncio e não cair na tentação de um dia ir no seu mural com um “não é bem por aí”. O fato é que num boteco o bate-boca não está documentado. Ninguém tem uma linha do tempo para certificar-se de que foi ofendido. O problema da rede, do e-mail e de tudo que se documenta é que a palavra não irá brincar com o vento depois. Um jocoso “ah, mas você é meio comunista mesmo” assume formas bem diferentes.

Num ano de eleição, a coisa anda fervilhando no Facebook e no Twitter. Minuto a minuto me deparo com um personal MMA na minha lista. Poderia customizar meu feed, mas adiantaria? Hoje foi uma amiga e um conhecido, ontem dois grandes amigos. Amanhã, quem será que entra no embate? Se essa onda já respingou em mim? Evidentemente. Ainda por cima respondi num clássico “dia de fúria”, porém não peguei pesado. O desgaste me chateou mais do que toda tentativa do outro de desmerecer meus argumentos. No fim, validei a minha teoria de que a crítica pela crítica morre na beira da praia, pois não tem informações confiáveis para se ancorar. Contudo não se enganem, meu caro leitor e minha cara leitora: perdemos por 1 a 1, já que o outro lado saiu com certeza de que eu não faço ideia do que seja informação confiável.

Enquanto escrevia esse texto, li no Face de uma amiga que 2014 seria um ano propenso para desfazer relações, azeitando o tema de hoje. Logo me veio à memória um inventário de adjetivos pejorativos atualmente mais propagados que posts pagos. Na rede, eles servem como sujeito e objeto do que muitos chamam de consciência. No debate proposto por essa amiga, o comentário de uma desconhecida me chamou a atenção: “Se o fulano é seu amigo mesmo, ele precisa respeitar a sua opinião”.

Aguardando as cenas dos próximos capítulos.


Canção de Ninar - abril de 2014

Eu estava atrasada. Dia de outono, calor do deserto. Andava me aventurando entre os quadradinhos (como apelidei o que sempre chamei de rua, mas, morando em Brasília, virou outra coisa).

Cheguei ao ponto de ônibus sem errar. É como vencer uma partida de batalha naval.

Por sorte, os coletivos que pego para a Asa Sul pela W3 são constantes. Mal dá para sentar no banco e folhear um livro qualquer. Quando digo livro, não é o que está na minha bolsa – sobre redes sociais, relacionado ao novo trabalho. Nos pontos do plano piloto há bibliotecas com uma série de doações. A iniciativa muito bacana é de um açougue, o T-Bone.

Olhei no relógio e já enviei aquele WhatsApp para a turma do trabalho para o caso de o trânsito não colaborar. Parece que aqui todo mundo dirige ou se vê obrigado a aprender. O contrário de São Paulo, onde morei, e as pessoas estão vendendo os carros e aderindo ao transporte público.

Posso escolher o assento. Escolho um individual, longe do sol escaldante. Quando começo a listar mentalmente as tarefas do dia, mas sou interrompida por uma voz. Ela canta, afinada e com doçura.

Olho para trás e vejo uma mulher linda, com tranças afro. Ela carrega um bebê no colo e a filha está encostada em seu ombro cantarolando junto. É um idioma que não consigo identificar muito bem. O bebê dorme com uma tranquilidade de dar inveja.

Eu me sento ao lado deles. A menininha não corresponde aos meus sorrisos. Prefere cantar com a mãe. Meus olhos se enchem de água. Sinto saudade da minha mãe, de colo, de cantar junto. Eu adorava cantar Gilberto Gil e Jorge Mautner. Mamãe tem até uma fita K7 com esse registro.

A mulher percebe que estou os observando, meio sorridente, meio comovida, meio desajeitada com a indiferença da garotinha.

Chega o ponto, enfim.

“Sua família é linda!”, digo.

Ela se limita a sorrir.

Eu atravesso aquilo que na minha cidade se chama avenida.

Eu passo o dia me lembrando daquela música.



Onde você guarda seu ódio? - março de 2014


Neste mês o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura, da Universidade Federal do Espírito Santo, publicou um mapa de redes de admiradores das Polícias Militares no Facebook. Por meio delas, páginas correlatas que defendem, por exemplo, a volta da ditadura militar surgiram. Afinal, na rede social de Mark Zuckerberg é assim: curtiu Chanel, vem a sugestão de Karl Lagerfeld, por aí vai.

O que os pesquisadores trouxeram à luz por trás desse tipo de manifestação – com milhares de likes, diga-se de passagem – foram discursos inflamados contra os direitos das mulheres, dos negros, dos homossexuais e de outras minorias. Os famosos “justiceiros” são legitimados nessas fanpages e o linchamento é livremente defendido. Conceitos tortos de moralidade (o que é, afinal, uma família?) e de religião (ao que me consta, Jesus andava com os excluídos) fazem parte daquilo que muitos atribuem erroneamente à “liberdade de expressão”.

Li a entrevista na íntegra no site Outras Palavras, mas confesso que, por mais assustador que seja o desenho, ele não me surpreende. Essa massa conservadora é, ao menos e na pior das hipóteses, organizada de tal modo a ser mapeada. Está todo mundo ali de cara limpa, disposto a aceitar um pedido de amizade. Quem eu temo é justamente aquele ilustre desconhecido, conhecido ou “amigo de Facebook” que vai até a minha timeline e se posiciona estrategicamente como num ringue de boxe.

Ao sinal, ele entra numa postagem minha contrária ao espancamento de um menor que roubou um relógio, por exemplo, e começa a me bater também. Aos poucos, por defender direitos humanos, também sou amarrada, acuada. Não se chega a lugar algum com o clichê: “E se fosse o relógio da sua mãe?”. Se fosse, eu me preocuparia unicamente com o bem-estar dela. Um objeto é um objeto, mesmo que tenha pertencido a minha avó. Quanto ao assaltante, deixo para a Justiça. E o ponto está aí: é dela que devo exigir eficiência.

O “amigo de Facebook” não se dá por vencido. Sugere armas e ações tão mirabolantes que interessariam a Quentin Tarantino em seu próximo filme com cérebros explodindo. Ao perceber que não irá me convencer, me chama de “Pollyanna”. Pois saiba, meu caro amigo, a última cor que eu enxergo neste mundo é a rosinha. A vida só é em rosa na canção de Piaf. E é isso que, invariavelmente, esses seres que caem de paraquedas em sua vida virtual fazem: encerram o debate de maneira irônica ou ofensiva.

Quando eu leio que um inocente foi preso ou morto porque foi confundido com um “bandido” nessa sede de justiça, abro aquela minha gaveta condenável – porque somos humanos e não cultivamos apenas os ensinamentos de compaixão do Dalai Lama – e pego o meu ódio. Eu vou ao mural do “amigo de Facebook”, pergunto se ele está satisfeito. Escrevo, reescrevo e, por fim, apago. Depois, penso na indireta, um dos recursos favoritos dos facebookianos. Às vezes, resisto à tentação. Às vezes, não.



Isso aqui não é Nouvelle Vague - fevereiro de 2014


O cenário é uma mostra de cinema. Estamos diante de uma escadaria e há muita gente ao redor. Olho para baixo e penso que pisar em falso poderia ser fatal, como todo o trajeto de calçadas estreitas e de ruas de pedra-sabão de Tiradentes.

Ela conversa com um sujeito, seu olhar está distante. Eu a observo, mas não são as montanhas o objeto da contemplação. Não nos víamos há mais de um ano, e sempre a considerei uma pessoa inteligente e agradável.

No último ou primeiro degrau da escadaria, depende da perspectiva, ela me vê. Nesse momento há um peso insustentável, um incômodo sem fim. E continua pausadamente aquele não assunto, enquanto eu espero.

Ela ensaia descer os degraus ou quem sabe correr para o banheiro que fica à esquerda. Ela não correria para o banheiro, mas a escadaria vai ganhando mais pessoas, seriam alguns desvios entre pesos e incômodos.

Decido romper, enfim, aquela indecisão. Sorrio e a cumprimento. Ela respira fundo: “Oi, você por aqui”; “Que tédio você por aqui”; “por que você por aqui resolveu exercitar sua boa educação?”. Tudo por trás de um seco e burocrático “tudo bem”, sem exclamação para não render diálogo.

O sorriso branco fica amarelo. O sujeito se toca que ele mesmo é um fardo estacionado no primeiro ou último degrau, dependendo da perspectiva. Ele a beija no rosto. Não sou hipócrita, desço os degraus. Dou com breves acenos para algumas das gentes que conheço ali.

Já me disseram que pode ser timidez, já me disseram que pode ser efeito de um baseado, já me disseram que tem gente blasé no mundo, mas isso aqui não é nouvelle vague, minha filha, não estou num filme do Godard. Faz um calor danado, e por isso nem preciso de abraço. Só acho grosseiro, invariavelmente grosseiro, olhar com tanta indiferença para alguém que não se conhece por alto.


De uma quase implicância com o Ano Novo - Dezembro de 2013


Eu sempre detestei a festa de Réveillon, tanto que já tentei passá-la dormindo. Claro, não consegui o feito porque os foguetes não deixaram. Imposição de roupa branca – não é a minha cor preferida –, de comida – não pode ave porque cisca para trás – e de uma felicidade obrigatória – não sei por quê, mas a imagem de gente bêbada cantando, depois da meia-noite, “Viver e Não Ter a Vergonha de Ser Feliz” me vem à mente – são as grandes responsáveis por isso. Acho a celebração de Ano Novo uma espécie de Studio 54 das festas na qual sinto que serei barrada.

Foi na virada de 2001 que decidi encarar todos os meus traumas de frente. Viajei para o Rio de Janeiro com uma amiga e irmã de alma disposta a incorporar todos os clichês. Comprei flores para Iemanjá, calcinha da cor do meu grande desejo para os próximos 365 dias. À meia-noite (que não é por causa do horário de verão. Sou sempre a chata que frisa isso na hora da euforia) eu estava sambando na areia. E assim segui até o primeiro dia do ano seguinte em meio a todas as oferendas possíveis. Honestamente, não me lembro se 2002 foi tão maravilhoso assim, porém a farra da noite anterior, com tequila, champanhe, cerveja e abraços em pessoas desconhecidas é das minhas melhores lembranças da vida.

Réveillon sim, Réveillon não, eu alterno a implicante com a que se joga. Vai de acordo com meu desejo e, trabalhando alternadamente nessa época do ano, com o plantão na redação. Nem sempre posso viajar, mas meu único ritual consiste em ter uma virada bem acompanhada. Em 2009, fiz uma ceia familiar e sem extravagância alguma, e acordei muito equilibrada para encarar um período que quase me tirou o chão. O ano passado terminou numa festa linda de aniversário de outra grande amiga, com noite estrelada, sem chuva como costuma acontecer em Belo Horizonte, e a certeza de que 2013 seria bem melhor.

2013 foi bem melhor, percebo agora, enquanto escrevo esta crônica, talvez influenciada por um artigo que li numa dessas revistas de bordo. A autora propunha listar cinco coisas ótimas acontecidas nas últimas 24 horas. Eu que havia pegado um engarrafamento terrível, quase perdi o voo e nem consegui tomar café da manhã, me lembrei de um brinde com queridos, de um presente delicado, de um abraço apertado, do pernil saboroso, do afago de um cãozinho. Coisas extremamente triviais que nocauteavam as chateações. Enquanto terminava essa lista mentalmente, contava os minutos para pousar em São Paulo, e encontrar aquele com quem vou passar essa virada e, espero, tantas outras.


Como preparar um presente - Dezembro de 2013


Pensei em pedir para a minha professora Agnes Farkasvölgyi a receita de um bolo para a ocasião. Teria que ser leve, ousado, com frutas vermelhas, chocolate, castanhas...algo assim quase como o docinho de amêndoas que ela prepara, cujo apelido dado por mim é Nirvana. Mas, e se eu errasse nas medidas? Se ficasse muito açucarado? Se na empolgação do preparo, eu deixasse queimar ou solar? Eu não tenho a genialidade da Agnes em certas alquimias, só a enorme vontade de preencher esse espaço com delícias e afetos.

Cogitei marcar, enfim, um café com a Odette Castro. Ela me daria dicas para arranjos floridos, iria sugerir que eu tirasse as velas aromáticas da caixa, utilizasse fitas coloridas e recadinhos ao estilo do nosso “amigo virtual” Antonio (se não conhece, procure por Eu Me Chamo Antônio no Facebook ou no Instagram) em todo ambiente. Mas, e se eu esbarrasse em algum enfeite, quebrando-o? Se a decoração ficasse um baile de Carnaval nonsense? Eu não tenho a inspiração da Odette, só a enorme vontade de deixar esse lugar bonito, aconchegante como o Arnaldo Antunes canta: “A Casa

É sua. Por que não chega agora? Até o teto tá de ponta-cabeça. Porque você demora”.

Pensei em escrever palavras lindas por aqui. Não sem antes propor uma ocupação poética de alguém que escrevesse crônicas que sempre me emocionam. Será que a além da quarta-feira a Silvana Mascagna toparia também acumular este domingo? Eu queria causar a sensação de borboletas na barriga ao relatar o encontro do casal no metrô de Nova York, a alegria de um passeio de fim de semana com o melhor amigo, aquela viagem inesquecível, a cena do filme que não sai da memória. Ainda me falta estrada para ter um olhar como o da Sil e sua capacidade de transformar aquele espaço em item de colecionador.

Comecei a ficar nervosa, pois o grande dia bate à minha porta e nada do presente! Que outra habilidade eu teria? Claro! Nas horas vagas, sou DJ. Uma bela coletânea de rock, soul e jazz seria fundamental para dar o clima: Esquentar a pista e equilibrar com momentos de sofá depois de, como na letra de Jorge Ben, “balançar a pema e arrastar a sandália sem parar”. Então, me dei conta de que faltaria um toque de samba ali, uma bossa acolá. Eu sei, não se pode ter a perfeição, porém é o grande dia. Eu queria arredar as cadeiras pra gente dançar. Eu, você, as garotas que fazem o Pandora com o maior esmero e quem mais quiser vir para o baile.

Por fim, percebi que o presente mesmo já estava nesse pequeno conjunto de desejos. Quando abri a caixa, fui colocando gostos de infância e de surpresa, aromas de flor de laranjeira, cartas de amor, lágrimas só de felicidade (e pouca, para não estragar a maquiagem), leveza, música, beijo na boca, saúde de ferro e gratidão. É bom estar aqui com tanta gente querida. Agora, com licença, que eu vou me jogar na festa!

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