O diagnóstico

Não sou médica, nem farmacêutica. Não poderia prescrever uma receita, ou dar uma dica para Carolina, dessas tiradas de uma das várias gavetas da prateleira de remédios. Talvez, ao revelar sua história, estivesse ainda quebrando uma situação de confidencialidade. Mas veja bem, meu caro leitor, minha cara leitora, não se trata de pedir um palpite por aqui. O que se passou com Carolina é apenas desencontro, mais um dos vários que me contam, ou que me acometem. Eu conversava com um amigo sobre isso, tomando um café. Foi no dia em que resolvi parar de usar adoçante e adotar o açúcar, mas essa fica para outra crônica.

Carolina atravessou uma fase de seca, que durou meses. Não tinha repertório quando amigos íntimos contavam, na mesa do bar, suas peripécias sexuais. Por vezes, ficava enfastiada daquele cenário "Sex and the City", do estresse do vestido justo, de dizer a coisa certa, na hora certa, aquele roteiro fictício que não funciona na vida real. Começou a exercitar seu lado outsider, sair com outra turma.

É aí que que entro na história. Foi numa terça, esses dias-nada. Carolina vestia jeans e camiseta. Ríamos de suas besteiras num buteco copo-sujo. Flávio, um conhecido meu, apareceu e se juntou à mesa. Encantaram-se um pelo outro. Era visível. 

(Sei lá o porquê ele pediu para mim o telefone dela no dia seguinte. Deixei minha parte da conta, saí sutilmente, justamente para não interferir)

E lá se foram três semanas até eu receber as primeiras notícias. Pode ser normal no caso dos dois gêneros, porém, entre as mulheres é mais comum o desaparecimento parcial ou completo da vida dos amigos após uma paixonite aguda. Se ela acha que vai dar namoro então...Nessa toada, já tive amigas que quase espalhei cartaz de "procura-se" nos postes.

Nas primeiras informações, via redes sociais, o mundo de Carolina e Flávio enjoava de tão doce. Até então, sem contra-indicações. No instagram, ela exibia sorrisos-prozac, o twitter só conhecia doses cavalares de poesia. O termômetro indicava febre alta.

Como os encontros, acredito que os desencontros também podem acontecer sem mais nem menos. Ela me ligou querendo conversar, precisava de um diagnóstico sentimental. Eu que não sou psicóloga, terapeuta e arrumei birra com o Lacan,  fiquei com um pouco de preguiça, mas fui.

Carolina encheu a casa de velas aromáticas, despachou Ana, sua roomate, para casa dos pais no interior. Comprou uma calcinha rendada, só que seus planos caíram por terra. Flávio chegou ao encontro com quase duas horas de atraso, depois de uma reunião de trabalho, e quis dormir. Ela tomou sozinha o espumante. Esperou pelo sono frustrada, pensou em provocá-lo, desistiu. Devia estar cansado, não era disso. No dia seguinte, ele partiu cedo. Não quis acordá-la, mandou um SMS bonitinho.

Interrompi dizendo que não entendia o motivo da minha consultoria.

(Fazia frio e eu, para variar,  estava sem casaco. Arrumaria uma gripe e dá-lhe resfenol, vick, naldecon...)

O fato é que, a partir daquele momento, uma rotina se estabeleceu. Toda abordagem dela seria mal-sucedida. Flávio, sempre educado, dava um beijo no rosto de Carolina antes de virar para o canto e repetia variações sobre o mesmo tema: estou cansado, me deu uma dor de cabeça, hoje não.

Nesse ciclo, lá se foram garrafas de vinho, espumante, cervejas especiais para agradar Flávio e shots de tequila para agarrá-lo de supetão e...nada. 

A questão é que Carolina não sabia mais o que fazer. O terapeuta - aquele que é pago para isso, não eu - falou que não havia nada de mais com toda aquela empolgação dela, havia muita energia acumulada mesmo, porém, aconselhou cautela e prescreveu um ansiolítico. Quanto a Flávio, podia ser uma fase, deviam conversar. O caso é que não eram tecnicamente namorados, de modo que  parou de pedir opiniões, sabe?

(Então, o que eu estava fazendo ali?)

O problema é que ela o desejava, e ele dormia. Ele era encantador, apesar de um tanto fanático por futebol (e sobre esse quesito, eu havia alertado), lia ótimos livros, gostava de bichos de estimação, tinha um beagle lindo e tudo mais. 

(Entendi...tu te tornas eternamente responsável por aquele que apresentas!)

Carolina subia pelas paredes a cada recusa. Na noite de drinks com as garotas, aquela turma chata que se acha habitante de uma ilha em Nova York, ela decidiu ligar para Flávio, dizer umas sacanagens. Nada contra, no entanto, pensei imediatamente que isso seria sugestão da amiga patricinha, a leitora de "50 Tons de Cinza". Caiu na caixa postal. 

Acordou péssima, ao mesmo tempo, desejando a fórmula mágica do amor, a que nem o Leo Jaime encontrou dos anos 80 pra cá. Passou o dia a base de sonrisal, engov e jejum, uma que Flávio não deu sinal de vida.

Eu me arrisquei no parecer: Carolina, contra o homem-neosaldina, do tipo que dá dor de cabeça (ou, vá lá, tenha) por qualquer motivo só há uma saída: evite! 

Ela, como de costume nesses casos, parecia pouco convencida. Coisas da superdosagem.




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