O dia d*
Não foi exatamente quando disse que não dava mais para seguirem de mãos dadas.
Tão pouco na manhã fria em que fez as malas.
Não foi exatamente quando fechou a porta, segurando as lágrimas insistentes.
Tampouco naquela tarde no cinema em que, às vezes, percebia a moça sentada à sua frente encostando a cabeça no ombro do rapaz.
Não foi exatamente quando inventou de entrar no shopping cheio, sem rumo. Detestava shoppings, achava triste tomar um chope na praça de alimentação. Chope é bebida para beira-mar.
Tampouco quando se deu conta de que um ano havia passado. Todos diziam “eu te amo”, mas isso estava mais para filme de Woody Allen.
Foi quando o despertador não tocou. O despertador, esse inimigo. Sintomático da correria cotidiana, do café forte bebido às pressas, que habitualmente lhe queimava a língua, do passar o olho na manchete do jornal e só.
O despertador não tocou. Não foi programado. Talvez para que houvesse aquele momento exato.
Às dez da manhã era possível escutar um bem-te-vi cantando na vizinhança, e isso dava uma angústia esquisita.
Era um dia qualquer.
Não era um dia qualquer.
Haveria tempo de tomar café da manhã em Plutão, em frente à Tiffany’s. Seria possível ler até os classificados, se assim desejasse.
E nessa extensa lista entrariam possibilidades como: passar o dia de pijama, o dia vendo televisão, o dia comendo chocolate, o dia arrumando o armário, o dia encontrando as velhas cartas de amor naquela caixa escondida.
Eram dez e quinze da manhã. Cada minuto iria se arrastar silenciosamente. O bem-te-vi ainda cantava.
Em algum momento, seria meio-dia.
E de que serviria o meio-dia? Não serviria canapés como entrada ou mesmo um brinde: “saúde, à nossa!”.
Não serviria para ser uma máquina do tempo capaz de levar à casa dos avós que não estão mais por aqui.
Serviria um almoço congelado, requentado no micro-ondas. Almoço com gosto de plástico.
Era o ponto em que a solidão rasgava, com exatidão.
Não há nada comparável à mesa para um no domingo. Por isso, seria inútil sair de casa. Melhor engolir aquele molho-cor de-rosa com pelotas de não sei o quê.
O telefone seguiria mudo, a caixa de e-mail só traria promoções imperdíveis. Vontade de comprar passagem apenas de ida para Paris, Montevidéu ou Nepal.
Restava esperar o fim da tarde sem bem-te-vi cantando, às seis em ponto, o sino da igreja, o sol indo embora, a noite chegando e o barulho vindo da casa do vizinho que assiste ao seu programa preferido em volume acima do tolerável.
Restava esperar uma madrugada sem insônia: uma irônica torcida pela segunda-feira.
*Minha crônica no Pandora deste domingo
Não foi exatamente quando fechou a porta, segurando as lágrimas insistentes.
Tampouco naquela tarde no cinema em que, às vezes, percebia a moça sentada à sua frente encostando a cabeça no ombro do rapaz.
Não foi exatamente quando inventou de entrar no shopping cheio, sem rumo. Detestava shoppings, achava triste tomar um chope na praça de alimentação. Chope é bebida para beira-mar.
Tampouco quando se deu conta de que um ano havia passado. Todos diziam “eu te amo”, mas isso estava mais para filme de Woody Allen.
Foi quando o despertador não tocou. O despertador, esse inimigo. Sintomático da correria cotidiana, do café forte bebido às pressas, que habitualmente lhe queimava a língua, do passar o olho na manchete do jornal e só.
O despertador não tocou. Não foi programado. Talvez para que houvesse aquele momento exato.
Às dez da manhã era possível escutar um bem-te-vi cantando na vizinhança, e isso dava uma angústia esquisita.
Era um dia qualquer.
Não era um dia qualquer.
Haveria tempo de tomar café da manhã em Plutão, em frente à Tiffany’s. Seria possível ler até os classificados, se assim desejasse.
E nessa extensa lista entrariam possibilidades como: passar o dia de pijama, o dia vendo televisão, o dia comendo chocolate, o dia arrumando o armário, o dia encontrando as velhas cartas de amor naquela caixa escondida.
Eram dez e quinze da manhã. Cada minuto iria se arrastar silenciosamente. O bem-te-vi ainda cantava.
Em algum momento, seria meio-dia.
E de que serviria o meio-dia? Não serviria canapés como entrada ou mesmo um brinde: “saúde, à nossa!”.
Não serviria para ser uma máquina do tempo capaz de levar à casa dos avós que não estão mais por aqui.
Serviria um almoço congelado, requentado no micro-ondas. Almoço com gosto de plástico.
Era o ponto em que a solidão rasgava, com exatidão.
Não há nada comparável à mesa para um no domingo. Por isso, seria inútil sair de casa. Melhor engolir aquele molho-cor de-rosa com pelotas de não sei o quê.
O telefone seguiria mudo, a caixa de e-mail só traria promoções imperdíveis. Vontade de comprar passagem apenas de ida para Paris, Montevidéu ou Nepal.
Restava esperar o fim da tarde sem bem-te-vi cantando, às seis em ponto, o sino da igreja, o sol indo embora, a noite chegando e o barulho vindo da casa do vizinho que assiste ao seu programa preferido em volume acima do tolerável.
Restava esperar uma madrugada sem insônia: uma irônica torcida pela segunda-feira.
*Minha crônica no Pandora deste domingo
batalhas internas.
ResponderExcluirnós mesmos, esses nossos maiores e piores inimigos.
em nós, exclusivamente, a saída - e que belo texto sobre a busca desta. =)
Obrigada pela visita e pela gentileza das palavras :)
ResponderExcluirhá algum tempo, acho que ainda lá nos idos de 2011 quando ainda tratava de atualizar diariamente o meu diário, aquele que você também costumava visitar com avidez e frequência, escrevi algo ou muitos algos do tipo. o domingo era vão, o domingo era não, e a espera pela segunda era sempre angustiante. o tempo passou, lá se foram alguns aninhos e já hoje, talvez desprovido da tristeza daquele tempo, às vezes tenho celebrado os domingos. mas mesmo assim ainda me pego torcendo para que chegue a segunda. palavras bobas ou tolas, mas acho que no final das contas é isso mesmo. vivemos de ciclos. de temperos, destemperos, do hoje que tinha de ter sido ontem, do ontem à espera de um hoje melhor que não é tão melhor ou é no mínimo diferente, dessa inquietude que jamais permite-nos viver apenas, e tão somente, o agora. sei lá o que escrevi ou se fui claro, mas o domingo continua, tem vezes, vão. mas às vezes é bom. e assim vamos... estão lindos os textos!!!
ResponderExcluirLeo, querido, tudo compreendido, claro, cristalino...nesse nosso tudo certo como dois e dois são cinco, remetendo ao Robertão. Feliz demais te ler aqui. Seus comentários são como cartas recebidas de um amigo querido. E, bem, você é um amigo querido. Seguimos com nossos contextos, textos e modos de ver a vida, às vezes agridoce como um domingo ou borbulhante como sexta. Obrigada pelo carinho. Ainda vamos nos ler muito, aposto! Beijos
Excluir