Crônica do mês no Pandora


Febre de juventude

No último fim de semana, fui a um festival de música que quase sepultou a minha vontade de assistir a um evento do mesmo gênero nesta encarnação, mas o assunto aqui não é sobre a lama do Lollapalooza Brasil, é justamente sobre o que aconteceu antes. Há um provérbio de que gosto muito e se aplica para a ocasião: "O melhor da festa é esperar por ela".

Adoro um ritual pré-show. Ouço a discografia do artista (sim, eu tenho CDs originais), tiro do armário algumas possibilidades de figurino (camiseta preta, camisa xadrez, jeans surrado, All Star) e, como jornalista, procuro ler entrevistas nas quais posso prever o clima da apresentação. Tem sido assim durante anos, desde o primeiro concerto de rock a que fui, ainda criança e acompanhada pelo meu pai, no final dos anos 80.

Se os principais shows que despertam o meu interesse se concentram no eixo Rio-São Paulo-Porto Alegre, é para lá que eu vou (normalmente São Paulo, por ter uma relação afetiva com a cidade). Também antes, faço roteiros de padarias, restaurantes, livrarias e lojinhas para tentar frequentar nas horas vagas.

Foi quando tomar o trivial café da manhã saiu do script. Eu e minha turma - seis pessoas - desistimos da padoca simpática por causa da fila quilométrica. Fomos parar, sob alguns protestos, na Starbucks. Entre cafés servidos em copos enormes, que nem de longe lembram nosso tradicional coado no pano, bagels e algum mau humor matinal, uma amiga brincou com a minha irmã: "Olha o Brandon Flowers ali!", apontando para a entrada do hotel Renaissance.

De repente, bateu a febre de juventude, como no filme de mesmo título em português do Steven Spielberg (um dos meus favoritos do cineasta). Eu propus a ela que atravessássemos a rua para checar. Alarme falso. "Não é o vocalista do The Killers", comentei. Ela retrucou: "E esse cara nem é bonito".

Resolvemos voltar para a cafeteria, porém, fomos interrompidas por um gringo que ia para o mesmo lugar. "Esse cara toca em alguma banda, aposto!", disse. Ela me olhou confirmando, e apertamos o passo.

Rompemos o silêncio do grupo, que começou a acionar nos smartphones imagens do Google que pudessem desvendar aquele mistério. Não era integrante do Franz Ferdinand nem do Kaiser Chiefs. Voltei para a fila dos pedidos a fim de conseguir uma pista. Nada além do cappuccino com muffin.

Sugerimos que alguém pedisse para tirar uma foto com o rapaz, no entanto, ninguém se dispôs a passar o óleo de peroba na cara. "Vai ver ele é um executivo", sugeriu outra amiga. "Claro que não. Só se for muito excêntrico. Gordinho para usar calça skinny e aquele tipo de bota? Só pode ser roqueiro", arrematei.

Horas depois, no famigerado festival, o Two Door Cinema Club subiu ao palco. A turma estava espalhada. O iPhone vibrava enlouquecidamente com as mensagens. Nosso gordinho da Starbucks era o baterista Ben Thompson. Contratado, verdade, um "quase famoso" (para remeter a outro filme). Mas eu sabia, não que viveria uma cena de filme. Apenas que teria uma história para contar.


Ludmila Azevedo é jornalista, pós-graduada em cinema e redatora do Magazine.
Ela divide este espaço com Jack Bianchi, Lobo Pasolini e Mariana Rodrigues

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