A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota*

Ser mulher é lidar, desde os primeiros anos, com o ódio e com a provocação constantemente.  Já fiquei calada e já chorei. No entanto, minhas melhores recordações são as de quando eu consegui revidar. Na primeira vez percebi que foi mais fácil encarar a diretora da escola e explicar por que fui para cima do Rodrigo, e rasguei o uniforme dele, do que engolir o choro. Ele chamou a tia de vagabunda. No mundo dos adultos os dois levaram cartinha para casa. A minha pena, porém, foi mais leve porque a agressão, que não se justificava, era motivada por uma causa nobre.

Também na adolescência aguentei um bocado. Marcelo, na quinta série, chegou a colocar o pé na minha frente para eu cair. Eu sabia que não teria condições de medir forças. Então, pedi aos meus pais para me mudar de escola.  Precisei descobrir o modo mais eficiente de combater a raiva dos meninos. Pratiquei a ironia quando o André, que tinha o rosto coberto por espinhas, disse que meu cabelo era ruim. Respondi que adorava meus cachos (mentira, eu não tinha autoestima naquela época e vivia de rabo de cavalo), além disso, se eu enjoasse deles, poderia fazer escova. Ele, por sua vez, tinha que nascer de novo para ver se o rosto não teria aquele aspecto de chokito.


Fico pensando que Rodrigo, Marcelo e André certamente namoram, noivaram, casaram e divorciaram, e, imagino, continuaram machistas. Podem até ter se relacionado com outros homens, o que não os transformam em menos machistas, uma vez que leio e escuto com frequência ataques vergonhosos dirigidos às mulheres por muitos deles, os gays. Não existe estudo, religião ou estilo de vida zen que faça com que eu compreenda por qual motivo a maioria dos homens odeia as mulheres. E, honestamente, não tenho o menor interesse em saber. Quando fui agressiva, quando fui cruel, quando pedi para pararem com aquilo sinto que só doeu mesmo em mim. 

*Jean-Paul Sartre

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