Lugar no mundo

Que o jornalismo como estamos acostumados mudou, não é de hoje. Impressos estão sumindo do mapa em todo mundo. Meu primeiro baque foi o fim do "Jornal do Brasil", que lia aos domingos por influência do meu pai. O último talvez tenha sido o "Jornal da Tarde" onde trabalhei. Juntamente com essa morte anunciada, outra bem pior está evidente: a péssima qualidade de boa parte do que se publica (claro que há exceções. Eu as leio todo dia). Falta o básico que é a apuração (ou atribuir a um ator saudável o Alzheimer avançado é apenas o caso de "erramos"?), os textos quando não estão extremamente confusos desde o título (o que, suspeito, só pode ser para dar mais cliques aos portais), não estimulam a leitura até o fim porque são um amontoado de clichês, visões estreitas e arrogantes de mundo. A qualidade despencou por uma série de razões. Estudiosos e leigos cuidam de apontá-las desde teses interessantes a posts rasteiros (sim, existe a crítica desqualificada e com muitos erros de português) em suas redes sociais.

Há duas décadas entrei na faculdade de jornalismo. Ao longo dos anos repetia para quem quer que fosse que teria feito tudo outra vez. Hoje não. Não há da minha parte o menor prazer em fazer parte desse processo. São contradições, pois adoro entrevistar pessoas, escrever e tenho carinho especial por 95% das redações onde trabalhei. No entanto, venho me desapegando. Se amanhã me chamarem para trabalhar no veículo X ou Y, é provável que eu precise pensar (eu nunca pensei, sempre aceitei de cara quando o desafio era bom). Daí percebo o quanto o jornalismo está morrendo para mim, não importa a opinião de ninguém. Não há tantos lugares que me provoquem aquele frio na barriga, como eu tinha aos 16 anos de idade e sonhava em ir para a BBC de Londres. Os meus sonhos, como cantou Cazuza, "foram todos vendidos. Tão barato que eu nem acredito".  Isso me dá uma melancolia, uma falta de esperança e um medo. Quando eu findar o período dos meus atuais projetos, o que será de mim? Não terei nem 40 anos e uma estaca zero pela frente. Bom, no meu caso isso nem sempre foi um problema.

Enquanto isso, vou lendo notícias, análises de especialistas e de leigos. Sobram-me perguntas. A maior delas: como o jornalista vê o seu lugar no mundo? Para ser mais específica, vou usar um exemplo simples: há algum tempo li a resenha de um crítico que possui um blog vinculado a um grande jornal. O tema era um restaurante em São Paulo que virou a bola da vez. Conheço o profissional e suas opiniões são geralmente interessantes. Fiquei com vontade de ir ao lugar, numa terça-feira ou qualquer dia em que não houvesse fila para comer (um clássico da cidade). Dias depois, uma amiga compartilhou um texto de um blog que ela considera relevante e a resenha destruía o restaurante. Era mais específico com relação a preços e o autor chegou a se recusar a pagar por um drink mal preparado. E assim, do 8 ao 80, estamos. Posso desconfiar do jornalista ligado ao grande veículo que foi tratado com tapete vermelho pelos assessores de imprensa e não pagou um centavo? Posso. Posso desconfiar do crítico independente que já tinha a predisposição de odiar o lugar da moda porque a praia dele é petisco de botequim? Posso. Então, terei que eu mesma checar, para usar um termo jornalístico, e seguir digerindo meus questionamentos.




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