Mais uma vez, mudança

Não poderia ter escolhido uma trilha melhor: Radiohead (óbvia talvez para quem me conhece, mas cada vez mais me importo menos com o que pensam sobre mim. Coisas de inferno astral mesmo, de estar mais perto dos 40 que dos 20).

Só há um tipo de vento por aqui. Janela aberta e a sensação de deserto nesse outono.

Quem sopra não vem apenas de fora, vem de dentro, vem novamente.

Já odiei com todas as forças possíveis a mudança. Quanto mais eu odiava, mais ela me empurrava para o abismo.

Passei a temê-la.

Mas houve o tempo antes daquele tempo que eu a buscava, por inquietação mesmo.

Aí mudei de cidade, fui ganhar salário de recém-formado já tendo uma bagagem considerável. Passava um cortado daqueles, no entanto fiz amigos para toda a vida e desenvolvi um grande instinto de sobrevivência.

Até os 33 anos eu achava mudança essencial.

E como na "Roda da Fortuna" do tarot, veio a virada.

Perdas, rompimento, desamparo, (des) encontros com gente tóxica. 

Claro que querer ficar quieta, na minha era objetivo dessa encarnação.

Só que por mais que eu não quisesse sair do casulo, ela é o que há de mais inevitável, se não considerarmos a morte.

E não é que venho tão surpreendentemente boa, suave e me dando as mãos como num pacto silencioso para que eu parasse de temê-la?

Veio no abraço, nas doses de café, no beijo, nas taças de vinho, nas músicas, nas mensagens, num conforto que nem me lembrava que existia (ou nem sabia).

Não sendo possível viver longe, a mudança, o destino ou sei lá o quê acelerou os relógios.

Eu estaria em pânico num passado recente.

E me ocorreu de ouvir Radiohead, preparar um jantar só para mim, tomar uma cerveja, olhar a montanha e cumprir meus rituais bobos, pequenos e solitários.

Eles não serão mais tão solitários assim.

Olho para minha casinha, tão desejada, tão enfeitadinha, que me trouxe tanta alegria e agradeço. Fui feliz aqui, na alegria e na tristeza.

Daqui uma semana, malas prontas. Mais uma vez, outra cidade. Mais uma vez, o desconhecido. Mais uma vez, a saudade da minha mãe, da minha irmã dos meus amigos do coração.

E, fora isso será todo aquele punhado de surpresas que eu guardarei na memória, enquanto houver memória.

Caixas vêm e vão. Roupas viram peça de bazar, eletrodomésticos viram desapego. Eu me viro. E me viro naquele cantinho da cama para buscar o colo mais gostoso do mundo.







Comentários

  1. Ludmila, que belo texto - assim, tão Ludj, entremeado de recortes, o vai-e-vem da vida, da maturidade alcançada. Do passado que permeia o que nos tornarmos - a experiência do desapego e a saudade amparada no afeto. Beth Barra

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  2. e que bom que sempre tem o blog pra gente ter notícias de longe. agora, de um pouquinho mais. que seja feliz, sejamos, as mudanças sempre vêm do jeito e quando têm de vir. e são boas,né? você vai ver de novo. também tô feliz, a gente merece! =)

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  3. obrigada, beth querida! beijos

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  4. Gonçalves Dias, consternado com o casamento de sua amada Ana Amélia, resignado, escreveu-lhe em poesia:
    "Vai! E que os anjos derramem
    Sobre ti flores, venturas,
    Que as alegrias mais puras
    Floresçam dos passos teus;
    E que entres na casa estranha
    Como uma benção dos céus."

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