Quando estávamos offline
Há dias venho sofrendo pelo inbox que não vem. Sim, a mensagem foi visualizada, sei a hora exata. E nada de 17h, 21h ou 23h30. Foi algo como 19h47, essa coisa fragmentada.
O mundo era um lugar melhor quando a gente beijava o menino e ele ligava no dia seguinte. No meu caso, mais ou menos. Nós dificilmente nos encontrávamos. Eram horas de vigília no telefone e o pensamento constante: Será que deu pane na Telemig? Então, eu ia fazer qualquer coisa, ia escrever, viver, me refugiar numa banca de revistas para comprar meu exemplar da Luluzinha da semana. Quando voltava, a empregada dizia com desdém que um tal de Leonardo havia telefonado. Quer dizer: ela não se lembraria do nome com exatidão porque o arroz estava queimando quando o infeliz interrompeu sua rotina. Poderia ser Ricardo ou Bernardo... O tal de Leonardo, antigamente, poderia ainda ter o azar de se deparar com meu pai do outro lado da linha, que iria tratá-lo mal e não daria o recado. Minha irmãzinha também, ao pegar o telefone, balbuciaria o dialeto do bebê e dá-lhe "desista, ela não vai te atender".
O bom é que esse cara existiu um dia e não se deu por vencido. Hoje, ele não está na rede de amizades do Facebook, definitivamente. Pode estar casado, com filhos ou morar em Londres e você junto com aqueles tempos ordinários de colégio serão uma vaga lembrança, mas tudo bem. Se o Leonardo atravessasse as décadas e me adicionasse, não ficaria no curtir ou cutucar. Ele não seria o tipo de fazer suspense no inbox, não postaria indiretas, não demoraria meses para chegar a qualquer finalmente. Mesmo porque ele foi o garoto que, nos primeiros acordes aquela música brega do A-Ha, te tirou para dançar. Os outros apenas olhavam quando o menino desajeitado passou a mão na minha cintura. E todos comentaram quando não nos desgrudamos no cantinho da sala.
Saudade dele, saudade imensa. De tudo que é palpável e possível. De menos musiquinhas, poeminhas, emoticons, coraçõezinhos e mais "te encontro no pátio durante a aula de religião". Não sei nada da bíblia por conta dele, admito. Pior: não me fez falta...mas sei beijar, gosto de beijar, aprendi com ele. E de dançar, de pisar no pé dele, de saber que ali não tinha joguinho, não tinha "o que minhas amigas iriam pensar" porque, sim, elas pensavam e eu não dava a mínima.
Os olhos dele brilhavam ao me ver naquele uniforme azul horrível que parecia um pijama. A gente fazia provas em dupla de história. Eu, na verdade, porque ele nem era de estudar. E teve o dia em que combinamos de ir ao cinema juntos, aquela mentira pros nossos pais, numa tarde de quarta: "Vou estudar na casa da Flávia". E foi assim que ele me deu a mão na sessão de "Ghost" e me perguntou - para o desespero do meu coração que saía pela boca - se eu não queria ser sua namorada.
Eu não sei como tudo evaporou, como ele sumiu, como a faculdade chegou e os anos se passaram. Não sei como outros amores surgiram e partiram...eu sei que ele ficou nessa saudade, memória ou invenção.
Porque ele teria me respondido no Facebook, no Twitter. Teria postado comentários no blog. O que são esses míseros caracteres para um moleque de 13 anos que virou uma batida de côco só para chegar perto de mim na frente de toda a sétima série? Pois eu digo com muita propriedade, os homens hoje estão muito bobos e não são páreo para o Léo e seu beijo metálico com sabor de ice kiss.
Lindo texto, parabéns pelas palavras inspiradas.
ResponderExcluirObrigada, Marcelo :) Abraços!
ResponderExcluirAh, o amor. Essa doença incurável. Em tempos de online e offline, há pessoas online nas redes e offlines pra vida lá fora, essa vida que passa, corre, passa por cima e não olha pra trás. As pessoas vivendo de cutucadas virtuais. As mesmas pessoas que parecem ter gentefobia de "esbarrar" de verdade nas pessoas de carne e osso. É preciso que voltemos a esbarrar nas pessoas que suam, que topam nas calçadas, que encaram até receber o olhar do outro e no centésimo seguinte precisam decidir se continuam a encarar ou desviam o olhar. Esqueçamos um pouco as pessoas que precisamos cutucar e curtir, pessoas que para se apresentarem, precisam, antes, passar por filtros e camadas que as deixem mais apresentáveis. O tempo pode ser de 40 graus, entretanto, até a gota de suor é removível com singelos cliques. Ah, esse desamor atual.
ResponderExcluirSeguimos resistindo contra o desamor, né Jonatas? Abraços
ResponderExcluirQue lindo este texto! Lembrou mesmo os beijos com gosto de aparelho nos dentes e ice kiss ;)
ResponderExcluirOi, Glória! Obrigada pela visita. :)
ResponderExcluirPor nada, é um prazer! Virei leitora assídua. hehehe Depois veja que bonita esta matéria sobre O Jogo da Amarelinha, de Cortázar. Lembrei de você e daquele seu post com a descrição do beijo dele: http://bravonline.abril.com.br/materia/compre-um-leia-muitos
ResponderExcluirOba! Valeu por seguir e pela dica :) beijos
ExcluirLudj, texto delicioso, chamando lembranças perfumosas das paixões que faziam o peito doer, o "Halls" no cinema (preferência não se discute), as cantadas por telefone, e as performances do A-ha nos clipes da tv, nas festinhas à meia-luz ou nos shows que fizeram por aqui.
ResponderExcluirQuando estávamos off-line, os hormômios, a guerra fria e a inflação nos faziam ser mais ousados e imediatistas. Hoje somos eternos, previsíveis e queremos escravizar a felicidade. Acho que o Leonardo também ficou assim, da mesma forma como comer salada se tornou tão natural.
Mas nem tudo são espinhos: o Halls de melancia é delicioso, e naquele tempo não existia...
Adorei a lembrança do Halls de melancia...o apego ao tempo que já foi, a gente transforma em história com licença poética enquanto tenta se adaptar aos novos sabores da vida! Beijo
Excluir