O regresso de um amor platônico
Descobri que amores platônicos da juventude deveriam ser obrigados, por alguma lei divina, a desaparecer. Encontrei um deles dia desses, mas preferia que o acaso não me presenteasse daquela forma tão cortante.
Houve um tempo em que ele, o amor platônico, era um cara com o olhar mais incrível e o sorriso mais lindo desse mundo. Eu me vestia umas oito vezes antes de sair de casa quando ia encontrá-lo.
Eu tinha dia e hora para encontrá-lo, pois o amor platônico trabalhava numa loja de discos e tinha cabelos longos, lisos e negros. Um ar de Mike Patton, do Faith no More, com suas bermudas largas e camisetas de banda.
O gosto musical do meu amor platônico era parecido com o meu. Um pouco mais agudo, mais visceral. Adorava conversar com ele, embora não soubesse seu nome e morresse de vergonha de perguntar.
Eu ia à loja em que ele trabalhava três vezes ao mês. Duas para escolher o disco. Uma para comprar. Porque vinil era caro e eu vendia bolo de chocolate na escola para comprar, entre outras coisas, meus discos. Não dependia de datas festivas para ganhar de presente.
Havia lojas melhores do que a que meu amor platônico trabalhava. Nenhuma delas tinha meu amor platônico, com seus olhos cor de jabuticaba, seu sorriso que me fazia enrubescer, seus cabelos compridos e seu estilo cuidadosamente desleixado.
Talvez naqueles tempos eu fosse menos boba. Eu apenas queria saber o nome dele. Não queria beijar ou namorar. A simples existência daquele cara tornava minhas tardes nos centro mais inspiradas. Era como dançar na chuva.
Um dia ele não estava mais na loja de discos. Logo no dia em que fui comprar o primeiro álbum de uma banda que ele adoraria conhecer: o Alice in Chains. Fiquei tão orgulhosa de descobrir a banda porque não havia google, nem MTV naqueles tempos. Eu era a menina que não ouvia o que as meninas ouviam (Roxette, por exemplo) e, de alguma maneira, achei que isso poderia ao menos ser um caminho para que soubéssemos o nome um do outro.
Meses depois, revi meu amor platônico num show. Estava cercado de amigos cabeludos, com suas camisas xadrezes de flanela num calor de verão. Eles bebiam. Eram maiores de idade. Eu ali com uma amiga e uma lata de coca-cola, que permaneceu intacta enquanto ele estava naquele grupo me impedindo de prestar atenção ao show.
Obviamente, meu amor platônico nem me reconheceria ou faria uma cara de míope. Evitei ser vista quando esses pensamentos me assaltaram. Até que o cara de cabelo comprido, olhos de jabuticaba, sorriso de derreter e camiseta do Metallica veio em minha direção. Gelei, empalideci. Ele disse um "oi". Não foi um "oi" blasé. Foi um "oi" de quem deixou os amigos para me dizer "oi". Ele sorriu. Sem reação, abaixei o pescoço e evitei o olhar, sob o risco de me estatelar no chão.
Meus dias seguiram desconcentrados, repetindo aquela cena: mudando o roteiro porque havia me sentido uma idiota em não ter puxado uma conversa. Por que não falei do Alice in Chains? Por que não falei do show? Por que não falei do calor?
Os shows, os inferninhos, as festas de rock que se sucederam eram acordes dissonantes porque ele não mais apareceu. Perdi meu amor platônico, embora soubesse no fundo que outros viriam.
Esbarrei muito tempo depois com um cara de olhos negros, sorriso gostoso e camiseta de banda quando já bebia minhas long necks e podia voltar para casa depois de meia-noite. Passaram-se dois anos? Não importava. Ele ainda era ele. Com um acessório indesejado: a namorada.
Foi a vez de um "oi" sem graça correspondido por outro desafiador, olhando nos olhos, sem aquela insegurança. Eu poderia falar de qualquer coisa, porém era a hora de calar e sair.
O destino decidiu que não nos esbarraríamos. Pelo menos por mais de uma década.
A última vez que vi meu antigo amor platônico faz poucos dias. Tomei um susto. Fiquei me perguntando se era realmente aquele cara que fazia o coração parar de bater quando eu entrava na loja de discos. Seu olhar ficou fosco, não sorria e os cabelos - nem curtos, nem cumpridos - estavam maltratados. Ele engordou, fez uma tatuagem rudimentar com o nome de uma mulher no pulso. Ele estava com uma camisa regata horrível. Ele não era ele.
Fingi que não vi.
Porque amores platônicos assim deviam mesmo desaparecer sem deixar vestígio.
Houve um tempo em que ele, o amor platônico, era um cara com o olhar mais incrível e o sorriso mais lindo desse mundo. Eu me vestia umas oito vezes antes de sair de casa quando ia encontrá-lo.
Eu tinha dia e hora para encontrá-lo, pois o amor platônico trabalhava numa loja de discos e tinha cabelos longos, lisos e negros. Um ar de Mike Patton, do Faith no More, com suas bermudas largas e camisetas de banda.
O gosto musical do meu amor platônico era parecido com o meu. Um pouco mais agudo, mais visceral. Adorava conversar com ele, embora não soubesse seu nome e morresse de vergonha de perguntar.
Eu ia à loja em que ele trabalhava três vezes ao mês. Duas para escolher o disco. Uma para comprar. Porque vinil era caro e eu vendia bolo de chocolate na escola para comprar, entre outras coisas, meus discos. Não dependia de datas festivas para ganhar de presente.
Havia lojas melhores do que a que meu amor platônico trabalhava. Nenhuma delas tinha meu amor platônico, com seus olhos cor de jabuticaba, seu sorriso que me fazia enrubescer, seus cabelos compridos e seu estilo cuidadosamente desleixado.
Talvez naqueles tempos eu fosse menos boba. Eu apenas queria saber o nome dele. Não queria beijar ou namorar. A simples existência daquele cara tornava minhas tardes nos centro mais inspiradas. Era como dançar na chuva.
Um dia ele não estava mais na loja de discos. Logo no dia em que fui comprar o primeiro álbum de uma banda que ele adoraria conhecer: o Alice in Chains. Fiquei tão orgulhosa de descobrir a banda porque não havia google, nem MTV naqueles tempos. Eu era a menina que não ouvia o que as meninas ouviam (Roxette, por exemplo) e, de alguma maneira, achei que isso poderia ao menos ser um caminho para que soubéssemos o nome um do outro.
Meses depois, revi meu amor platônico num show. Estava cercado de amigos cabeludos, com suas camisas xadrezes de flanela num calor de verão. Eles bebiam. Eram maiores de idade. Eu ali com uma amiga e uma lata de coca-cola, que permaneceu intacta enquanto ele estava naquele grupo me impedindo de prestar atenção ao show.
Obviamente, meu amor platônico nem me reconheceria ou faria uma cara de míope. Evitei ser vista quando esses pensamentos me assaltaram. Até que o cara de cabelo comprido, olhos de jabuticaba, sorriso de derreter e camiseta do Metallica veio em minha direção. Gelei, empalideci. Ele disse um "oi". Não foi um "oi" blasé. Foi um "oi" de quem deixou os amigos para me dizer "oi". Ele sorriu. Sem reação, abaixei o pescoço e evitei o olhar, sob o risco de me estatelar no chão.
Meus dias seguiram desconcentrados, repetindo aquela cena: mudando o roteiro porque havia me sentido uma idiota em não ter puxado uma conversa. Por que não falei do Alice in Chains? Por que não falei do show? Por que não falei do calor?
Os shows, os inferninhos, as festas de rock que se sucederam eram acordes dissonantes porque ele não mais apareceu. Perdi meu amor platônico, embora soubesse no fundo que outros viriam.
Esbarrei muito tempo depois com um cara de olhos negros, sorriso gostoso e camiseta de banda quando já bebia minhas long necks e podia voltar para casa depois de meia-noite. Passaram-se dois anos? Não importava. Ele ainda era ele. Com um acessório indesejado: a namorada.
Foi a vez de um "oi" sem graça correspondido por outro desafiador, olhando nos olhos, sem aquela insegurança. Eu poderia falar de qualquer coisa, porém era a hora de calar e sair.
O destino decidiu que não nos esbarraríamos. Pelo menos por mais de uma década.
A última vez que vi meu antigo amor platônico faz poucos dias. Tomei um susto. Fiquei me perguntando se era realmente aquele cara que fazia o coração parar de bater quando eu entrava na loja de discos. Seu olhar ficou fosco, não sorria e os cabelos - nem curtos, nem cumpridos - estavam maltratados. Ele engordou, fez uma tatuagem rudimentar com o nome de uma mulher no pulso. Ele estava com uma camisa regata horrível. Ele não era ele.
Fingi que não vi.
Porque amores platônicos assim deviam mesmo desaparecer sem deixar vestígio.
adorei o texto Ludj. Me senti, curiosamente, no Santo Agostinho. Meus amores platônicos eram alunas. Hoje, gosto de re-encontrá-las, pois, os meus amores platônicos só o eram por me achar feio perante elas. Hoje, eu sou mais eu, e elas.... bem, elas enfeiaram.
ResponderExcluirPois é. Os amores platônicos patrocinam nossa insegurança. Até que percam o brilho...
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