Cada vez mais, adoro Woody Allen
Publicada hoje na Folha.
"Não sou culto; diversão é uma cerveja"
Cineasta Woody Allen diz que não acredita em Deus ou em vidas passadas e que velhice não traz sabedoria
"Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos", mais recente longa do diretor, estreia no Brasil em 29/10
DAVE ITZKOFF
DO "NEW YORK TIMES"
Quando perguntei se podia lhe desejar um feliz ano novo judaico, Woody Allen deixou claro que essas formalidades não eram necessárias. "Não, não, não", ele disse, com uma risadinha, no escritório de uma suíte do hotel Loews Regency.
"Não sigo essas coisas. Bem que eu gostaria. Seria uma grande ajuda naquelas noites escuras".
Aos 74 anos, Allen, cineasta prolífico e nova-iorquino emblemático, parece bem longe de descobrir a religião.
Mas a ideia da fé embasa seu mais recente filme, "Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos" [que estreia no Brasil em 29/10].
No filme, quando o casamento de um casal londrino (Anthony Hopkins e Gemma Jones) começa a se desfazer, a mulher procura consolo no sobrenatural.
"Para mim", diz Allen, "não existe diferença real entre uma cartomante, um biscoito da sorte e qualquer uma das religiões organizadas". Leia a seguir alguns trechos da conversa.
New York Times - A ideia de poderes psíquicos e vidas passadas tem papel central em seu mais recente filme. O que o levou a se interessar por isso e escrever a respeito?
Woody Allen - Eu tinha interesse pelo conceito de fé em alguma coisa. Sei que parece desanimador dizê-lo, mas precisamos de algumas ilusões para seguir em frente.
E as pessoas que conseguem se iludir com mais sucesso parecem mais felizes do que as pessoas que não o fazem. Conheço pessoas que depositaram sua fé na religião e em cartomantes.
Por isso me ocorreu que este seria um bom personagem para um filme: uma mulher para quem tudo sai errado e descobre repentinamente que a pessoa a quem recorre para ler sua sorte na verdade a está ajudando. O problema é que chegará o momento em que ela terá de encarar uma verdade desagradável.
O que lhe parece mais plausível, que tenhamos existido em vidas passadas ou que exista um Deus?
Nenhuma das duas coisas me parece plausível. Minha avaliação sobre isso é severa, científica. Para mim, o que vemos é aquilo que existe.
Como o senhor se sente sobre o processo de envelhecer?
Bem, sou contra (risos). Creio que não haja recomendações em seu favor. Você não ganha sabedoria com o passar dos anos. Na verdade, você se deteriora, é isso que acontece. As pessoas tentam retratar o processo da melhor maneira, dizem que você se torna mais terno. Você aprende a compreender a vida e aceitar as coisas. Mas você trocaria isso tudo por voltar aos 35 anos. Já passei por aquela situação de acordar no meio da noite e começar a pensar sobre a minha mortalidade, pensar no fim -e causa calafrios.
Envelhecer mudou seu trabalho de alguma maneira?
Não, meu trabalho surge ao acaso. Não existe lógica ou sequência ordenada em nada do que faço. Acabo fazendo o que parece certo naquele dado momento. Em toda minha vida, jamais assisti a qualquer dos meus filmes depois de lançados. Nunca.
O senhor disse à imprensa européia que filmar em Nova York se havia tornado caro demais. Acredita que voltará a fazer filmes aqui?
Minha primeira escolha sempre seria Nova York. Mas preciso ter dinheiro se quero filmar aqui. Eu sempre faria em Nova York por US$ 15 milhões o mesmo filme que rodaria em outro lugar por US$ 12 milhões. Isso se eu tivesse os US$ 15 milhões. Mas se não tenho o dinheiro, não é possível.
O senhor estava preparado para a tempestade de mídia que deflagrou ao escalar Carla Bruni-Sarkozy para um papel em "Midnight in Paris", seu próximo filme?
Fiquei surpreso com o interesse jornalístico que surgiu em função dela. Seu papel no filme é pequeno. Quando rodei suas cenas, no primeiro dia, todos os jornais disseram que ela era horrível e que eu precisei de 32 tomadas. Não fiz nem dez tomadas com ela. Aquele número mágico foi simplesmente inventado por alguém. Depois, disseram que o marido dela foi ao estúdio e ficou zangado com ela. Ele foi ao estúdio uma vez e gostou muito. Achou que ela tinha talento natural como atriz e não poderia ter ficado mais satisfeito.
Isso seria um bom slogan publicitário para o filme.
A imprensa desejava dizer coisas negativas sobre ela. Não sei se eles têm algo contra os Sarkozy ou se era só uma maneira de vender mais jornais. Mas as inverdades foram tão exageradas que me levaram a pensar com meus botões: e se a mesma coisa acontecer com relação ao Afeganistão, à economia, a assuntos importantes? Meu filme é uma questão trivial.
Quando o senhor tem tempo para descansar entre projetos, o que faz?
O de sempre. Levo meus filhos à escola de manhã. Saio para caminhar com minha mulher, toco com minha banda de jazz. E há a obrigação de me exercitar, a esteira, os pesos para manter a forma e não ficar ainda mais decrépito do que já sou. Normalmente não assisto aos grandes filmes de Hollywood. Quando estava em Paris, tive a oportunidade de ler um pouco de Tolstói e Norman Mailer. Coisas que deixei escapar ao longo dos anos.
Imaginei que o encontraria na montagem de 12 horas de duração para "Os Demônios", de Dostoiévski, que o Lincoln Center Festival exibiu algumas semanas atrás.
Não, não, eu não sou culto. Leio esse tipo de material mais por obrigação do que por diversão. Para mim, diversão é tomar uma cerveja e assistir a uma partida de futebol americano.
"Não sou culto; diversão é uma cerveja"
Cineasta Woody Allen diz que não acredita em Deus ou em vidas passadas e que velhice não traz sabedoria
"Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos", mais recente longa do diretor, estreia no Brasil em 29/10
DAVE ITZKOFF
DO "NEW YORK TIMES"
Quando perguntei se podia lhe desejar um feliz ano novo judaico, Woody Allen deixou claro que essas formalidades não eram necessárias. "Não, não, não", ele disse, com uma risadinha, no escritório de uma suíte do hotel Loews Regency.
"Não sigo essas coisas. Bem que eu gostaria. Seria uma grande ajuda naquelas noites escuras".
Aos 74 anos, Allen, cineasta prolífico e nova-iorquino emblemático, parece bem longe de descobrir a religião.
Mas a ideia da fé embasa seu mais recente filme, "Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos" [que estreia no Brasil em 29/10].
No filme, quando o casamento de um casal londrino (Anthony Hopkins e Gemma Jones) começa a se desfazer, a mulher procura consolo no sobrenatural.
"Para mim", diz Allen, "não existe diferença real entre uma cartomante, um biscoito da sorte e qualquer uma das religiões organizadas". Leia a seguir alguns trechos da conversa.
New York Times - A ideia de poderes psíquicos e vidas passadas tem papel central em seu mais recente filme. O que o levou a se interessar por isso e escrever a respeito?
Woody Allen - Eu tinha interesse pelo conceito de fé em alguma coisa. Sei que parece desanimador dizê-lo, mas precisamos de algumas ilusões para seguir em frente.
E as pessoas que conseguem se iludir com mais sucesso parecem mais felizes do que as pessoas que não o fazem. Conheço pessoas que depositaram sua fé na religião e em cartomantes.
Por isso me ocorreu que este seria um bom personagem para um filme: uma mulher para quem tudo sai errado e descobre repentinamente que a pessoa a quem recorre para ler sua sorte na verdade a está ajudando. O problema é que chegará o momento em que ela terá de encarar uma verdade desagradável.
O que lhe parece mais plausível, que tenhamos existido em vidas passadas ou que exista um Deus?
Nenhuma das duas coisas me parece plausível. Minha avaliação sobre isso é severa, científica. Para mim, o que vemos é aquilo que existe.
Como o senhor se sente sobre o processo de envelhecer?
Bem, sou contra (risos). Creio que não haja recomendações em seu favor. Você não ganha sabedoria com o passar dos anos. Na verdade, você se deteriora, é isso que acontece. As pessoas tentam retratar o processo da melhor maneira, dizem que você se torna mais terno. Você aprende a compreender a vida e aceitar as coisas. Mas você trocaria isso tudo por voltar aos 35 anos. Já passei por aquela situação de acordar no meio da noite e começar a pensar sobre a minha mortalidade, pensar no fim -e causa calafrios.
Envelhecer mudou seu trabalho de alguma maneira?
Não, meu trabalho surge ao acaso. Não existe lógica ou sequência ordenada em nada do que faço. Acabo fazendo o que parece certo naquele dado momento. Em toda minha vida, jamais assisti a qualquer dos meus filmes depois de lançados. Nunca.
O senhor disse à imprensa européia que filmar em Nova York se havia tornado caro demais. Acredita que voltará a fazer filmes aqui?
Minha primeira escolha sempre seria Nova York. Mas preciso ter dinheiro se quero filmar aqui. Eu sempre faria em Nova York por US$ 15 milhões o mesmo filme que rodaria em outro lugar por US$ 12 milhões. Isso se eu tivesse os US$ 15 milhões. Mas se não tenho o dinheiro, não é possível.
O senhor estava preparado para a tempestade de mídia que deflagrou ao escalar Carla Bruni-Sarkozy para um papel em "Midnight in Paris", seu próximo filme?
Fiquei surpreso com o interesse jornalístico que surgiu em função dela. Seu papel no filme é pequeno. Quando rodei suas cenas, no primeiro dia, todos os jornais disseram que ela era horrível e que eu precisei de 32 tomadas. Não fiz nem dez tomadas com ela. Aquele número mágico foi simplesmente inventado por alguém. Depois, disseram que o marido dela foi ao estúdio e ficou zangado com ela. Ele foi ao estúdio uma vez e gostou muito. Achou que ela tinha talento natural como atriz e não poderia ter ficado mais satisfeito.
Isso seria um bom slogan publicitário para o filme.
A imprensa desejava dizer coisas negativas sobre ela. Não sei se eles têm algo contra os Sarkozy ou se era só uma maneira de vender mais jornais. Mas as inverdades foram tão exageradas que me levaram a pensar com meus botões: e se a mesma coisa acontecer com relação ao Afeganistão, à economia, a assuntos importantes? Meu filme é uma questão trivial.
Quando o senhor tem tempo para descansar entre projetos, o que faz?
O de sempre. Levo meus filhos à escola de manhã. Saio para caminhar com minha mulher, toco com minha banda de jazz. E há a obrigação de me exercitar, a esteira, os pesos para manter a forma e não ficar ainda mais decrépito do que já sou. Normalmente não assisto aos grandes filmes de Hollywood. Quando estava em Paris, tive a oportunidade de ler um pouco de Tolstói e Norman Mailer. Coisas que deixei escapar ao longo dos anos.
Imaginei que o encontraria na montagem de 12 horas de duração para "Os Demônios", de Dostoiévski, que o Lincoln Center Festival exibiu algumas semanas atrás.
Não, não, eu não sou culto. Leio esse tipo de material mais por obrigação do que por diversão. Para mim, diversão é tomar uma cerveja e assistir a uma partida de futebol americano.
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