Para se acreditar no amor
Uma mais ou menos longa cerimônia de adeus - João Paulo Cuenca
Um homem entra por acaso num café de livraria e pede uma água com gás. Uma mulher percorre lombadas de uma prateleira com os dedos. O homem olha com atenção aquela mulher maravilhosamente desconhecida. Estamos no momento em que faltam poucos segundos para que ele se levante e vá falar com ela.
Ou ainda: um homem lê o jornal na praia. Uma mulher, três barracas depois, precisa do caderno de classificados. Esse homem maravilhosamente desconhecido lhe atrai. Estamos no momento em que faltam poucos segundos para que ela se levante e vá falar com ele.
Esse momento se repete milhões de vezes, todos os dias, a qualquer hora, em qualquer parte do mundo. Normalmente é fruto do acaso (“uma teia de coincidências”), mas pode também fazer parte de uma orquestração que envolva terceiros. As variações sobre ele são infinitas. Pode acontecer na saída de um teatro, numa madrugada de aeroporto, num velório, num bloco de carnaval, pela internet etc.
Pouco importa o que está no fundo da cena. Importante é o que há em comum entre todos esses encontros. Dizer olá ao desconhecido sempre será começar a despedir-se do futuro conhecido. A história que unirá os que tiverem sorte é uma cerimônia de adeus. Uma mais ou menos longa cerimônia de adeus.
***
Peço licença e me aproprio de algumas rolandbarthianas questões – inúteis, logo veremos. Serei capaz de olhar o rosto de quantas mulheres ao longo da vida? Centenas de milhares? Milhões? Entre as donas desses rostos, desejarei algumas centenas. Mas estarei sempre amando só uma. E por que não outra? O que me fará escolher exatamente essa e não aquela? O que me fará ter medo de perdê-la?
Formulação melhor para essa pergunta: o que me fará querer despedir-me dessa e não daquela?
A mecha de cabelo que cai sobre a testa, a cintura fina, o formato das panturrilhas, o jeito que ri? O seu suor? Ou uma palavra? Um gosto em comum? A timidez do ridículo? O livro que escolhe para ler? O senso de humor? O toque dos dedos? O tom da voz? Jamais saberemos. Novamente, pouco importa o que está no fundo da cena.
Depois de eleito o objeto de desejo, alguém lúcido diria que o amor se construirá sobre camadas de engano e falsas ofertas. Até que cumpra sua vocação irresistível (a despedida) e ressurja num novo encontro entre dois novos anônimos, depois daquele instante vertical que existe entre olhar, levantar-se e dizer “olá”.
O risco de saber disso tudo é, num ato falho, saudar alguém na praia ou na livraria dizendo “adeus”.
***
- Adeus.
- Como?
- É isso. Começou a acabar agora... Nós dois, eu digo.
- Mas eu te conheço?
***
Um bom começo para crer na possibilidade de adiar eternamente esse adeus é curar o excesso de lucidez. Para isso, recomenda-se esquecer os parágrafos acima imediatamente. Além de não ler filósofos germânicos, poupar-se do cinema sueco - e do novo cinema dinamarquês. E, claro, ter fé no acidente.
Um homem entra por acaso num café de livraria e pede uma água com gás. Uma mulher percorre lombadas de uma prateleira com os dedos. O homem olha com atenção aquela mulher maravilhosamente desconhecida. Estamos no momento em que faltam poucos segundos para que ele se levante e vá falar com ela.
Ou ainda: um homem lê o jornal na praia. Uma mulher, três barracas depois, precisa do caderno de classificados. Esse homem maravilhosamente desconhecido lhe atrai. Estamos no momento em que faltam poucos segundos para que ela se levante e vá falar com ele.
Esse momento se repete milhões de vezes, todos os dias, a qualquer hora, em qualquer parte do mundo. Normalmente é fruto do acaso (“uma teia de coincidências”), mas pode também fazer parte de uma orquestração que envolva terceiros. As variações sobre ele são infinitas. Pode acontecer na saída de um teatro, numa madrugada de aeroporto, num velório, num bloco de carnaval, pela internet etc.
Pouco importa o que está no fundo da cena. Importante é o que há em comum entre todos esses encontros. Dizer olá ao desconhecido sempre será começar a despedir-se do futuro conhecido. A história que unirá os que tiverem sorte é uma cerimônia de adeus. Uma mais ou menos longa cerimônia de adeus.
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Peço licença e me aproprio de algumas rolandbarthianas questões – inúteis, logo veremos. Serei capaz de olhar o rosto de quantas mulheres ao longo da vida? Centenas de milhares? Milhões? Entre as donas desses rostos, desejarei algumas centenas. Mas estarei sempre amando só uma. E por que não outra? O que me fará escolher exatamente essa e não aquela? O que me fará ter medo de perdê-la?
Formulação melhor para essa pergunta: o que me fará querer despedir-me dessa e não daquela?
A mecha de cabelo que cai sobre a testa, a cintura fina, o formato das panturrilhas, o jeito que ri? O seu suor? Ou uma palavra? Um gosto em comum? A timidez do ridículo? O livro que escolhe para ler? O senso de humor? O toque dos dedos? O tom da voz? Jamais saberemos. Novamente, pouco importa o que está no fundo da cena.
Depois de eleito o objeto de desejo, alguém lúcido diria que o amor se construirá sobre camadas de engano e falsas ofertas. Até que cumpra sua vocação irresistível (a despedida) e ressurja num novo encontro entre dois novos anônimos, depois daquele instante vertical que existe entre olhar, levantar-se e dizer “olá”.
O risco de saber disso tudo é, num ato falho, saudar alguém na praia ou na livraria dizendo “adeus”.
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- Adeus.
- Como?
- É isso. Começou a acabar agora... Nós dois, eu digo.
- Mas eu te conheço?
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Um bom começo para crer na possibilidade de adiar eternamente esse adeus é curar o excesso de lucidez. Para isso, recomenda-se esquecer os parágrafos acima imediatamente. Além de não ler filósofos germânicos, poupar-se do cinema sueco - e do novo cinema dinamarquês. E, claro, ter fé no acidente.
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