Ao Jubão

E tudo tem uma primeira vez, que não é tão esperada e surpreendentemente boa.
A primeira vez que viajei para um funeral também foi a primeira vez que dormi num cemitério.
Mas não foi a última vez que vi meu querido tio Fabio, o tio gordo - como ele dizia -, o Jubão.
Se eu for mais generosa, se souber dar a volta por cima diante dos problemas e ter o coracão gigante, capaz de perdoar as pequenas e grandes faltas das pessoas, talvez eu o encontre no outro plano.
Espero conseguir.
Já escrevi sobre meu tio neste blog há alguns anos, quando ele foi morar conosco. Jubão precisou amputar as pernas e poderia ter entregado os pontos ali mesmo.
Com a teimosia de um Azevedo e a emoção do Santos, usou seu talento para a criação de cadeiras de roda e equipamentos multifuncionais que melhoriam a vida de grande parte dos portadores de deficiência. Venceu prêmios, mas ninguém de fato comprou a ideia. Por que? Porque aqui se faz politicagem e até as "respeitáveis ongs" deixam de responder emails quando é conveniente.
Meu primo José disse hoje que irá batalhar para que as criações do pai possam tornar-se acessíveis: elas foram pensadas para quem não pode gastar muito e deve exercer o direito universal de ir e vir. José contou emocionado que o Fabio não inventara as engenhocas para ele mesmo, queria mesmo ajudar.
E queria mesmo. Não é porque é meu tio ou porque estou triste.
Sabe aquele garoto que levava a culpa pelas travessuras do irmão caçula? O cara que enrolou os pretendentes da irmã até que ela se decidesse "quem ficaria com Mary"? Sabe aquele sujeito que tocava música na varanda da casa dos pais no final da tarde? Que elogiava sempre a comidinha da mãe? Que tinha profunda admiração pelo padrinho? Aquele tio que ficou furioso com o ex namorado da sobrinha porque este a largou num restaurante, enquanto ia atender um capricho da progenitora? Aquele tio que diante da tristeza da sobrinha, de perder sua gatinha de estimação, lhe dera de presente outra tão especial que encheria a vida de todos de alegria?
Esse mosaico era meu tio Jubão, o mais bem humorado da família, o que trazia bombons garoto de Vitória, que conversava longamente com os adultos e brincava com as crianças. O tio que nunca deixou de me dar parabéns nos meus 32 anos de vida e que sonhava levar a vovó para passear pelas ruas de Lisboa (e lá eles se esbaldariam com pastéis de Belém, eu aposto).
Quando eu era bem pequena, um desenho do Mickey no armário do quarto dos meus tios me intrigava. Na verdade era a marca de um adesivo retirado do móvel. Parecia uma sombra. Ele, ao me observar contemplando o rato de Disney, afirmou que desenhara a dedo a figura. Eu acreditei por anos a fio. E quando desconfiei da verdade - nada mais sem graça que um adesivo removido - sustentei a versão de que ele era o criador do personagem. E por que não?
Em sua prancheta, ele desenhou mais que pontes, projetos e fez mais que cálculos até hoje impensáveis para mim.
Como a página branca que escrevo, as linhas do tio eram para expressão, para o desabafo, para o sonho.
Se a gente carece de mais gente como o Jubão por aqui, me alivia saber que lá em cima ele estará junto aos melhores, aos que eu mais amo, aos que fazem-me falta todos os dias.

Comentários

  1. Lud!

    Sei muito bem a falta que fazem pessoas especiais na nossa vida. Prefiro pensar mais no privilégio de ter convivido com pessoas como o Jubão do que na falta!
    Muitos beijos cheios de carinho pra vc, Angela e Ui !
    Dany

    ResponderExcluir
  2. Obrigada queridas! Beijos

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas