Ha Ha Ha Ha - por Antônio Prata

Há mil razões para detestar o carnaval e não deveríamos acusar os dissidentes de não serem bons sujeitos, estarem mal da cabeça ou doentes do pé. O cara às vezes é mais do rock, tem agorafobia, não está disposto a compartilhar do suor alheio. Tudo certo. Como já dizia Confúcio: cada um é cada um e vai da pessoa. Só não entendo quem se recusa a participar dos folguedos argumentando ser “contra essa imposição de alegria, essa obrigação de felicidade!”. Quem foi que falou em felicidade?

O carnaval é uma festa trágica. Basta prestar atenção nas letras das marchinhas. O negócio é barra pesada. É pierrô rejeitado tomando vermute com amendoim, morenas que passam despedaçando corações, canoas viradas, homens atirados na sarjeta, hasteando bandeiras-brancas, o deserto do Saara cruzado à seco, a camélia falecida (suicida?) e a cueca transformada em pano de prato: desgraças épicas ou tópicas compartilhadas pelas ruas, avenidas, becos e praças.

O carnaval não é, portanto, uma fuga da realidade, mas o contrário: a percepção de que tudo o que está antes da sexta e depois da quarta é que é empulhação e engodo, que o terno e a gravata, as fibras pela manhã, a previdência privada, o clareamento dental e o “Bom dia, Dr. Esteves, parece que vai chover, não?” são firulas para escamotear a nossa condição. No fundo, sabemos que a Aurora não é sincera, que ninguém nos dará um dinheiro aí, que a morte nos espreita adiante e não nos iludamos: só na hora do aperto é que dos carecas elas gostam mais.

O carnaval é um caótico choque de realidade. O mundo está cada vez mais chato, planejado e bem diagramado: poetas têm personal stylists, não se pede mais a um papagaio que diga currupaco sem antes falar com sua assessoria de imprensa e desde a invenção do Photoshop os pêlos púbicos correm sério risco de extinção. Durante alguns dias, no entanto, Obamas, Pierrôs e Dilmas, Batmans barrigudos, bebês barbados e Bin Ladens de colar havaiano derrubam suor e cerveja sobre pó ao qual voltaremos e da lama que toma a cidade vem a lembrança de que a vida é dura, é curta e nessa breve passagem ainda perderemos preciosos minutos negociando com o ambulante que se aproveita da situação para vender a Skol a cinco reais...

Diante dessas constatações, ou a gente chora e vai ler Schopenhauer, ou mete um cocar na cabeça e vai pra rua cantar: “Pode me faltar tudo na vida/ Arroz, feijão e pão/ Pode me faltar manteiga / e tudo mais não faz falta não/ Pode me faltar o amor – ha! Ha! Ha! Ha! / Disto eu até acho graça/ Só não quero que me falte/ A danada da cachaça”. Não são os versos mais otimistas que já foram escritos, eu concordo: mas quem foi que falou em felicidade?

Comentários

  1. Anônimo12:10 AM

    Sensacional o texto. Pra quem gosta ou detesta o carnaval. Putz...

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  2. Adoro o Antonio Prata!

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