Tempo bumerangue

"O tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo que passou." Vergílio Ferreira, escritor português

Hoje foi uma fonte luminosa. Era uma área do Conjunto Nacional, não a Praça da Liberdade.

Outro dia um pedaço de queijo Canastra que tostei na trempe do fogão. Era eu sem a ajuda do meu avô. Medo do fogo, nunca tive.

As táticas para fugir momentaneamente da vida adulta são muitas. Tiradas da memória, elas me aproximam de alegrias infantis, das pessoas que morreram. Sobretudo fazem com que eu me esqueça da adulta que sou, obrigada a conviver com os outros, pagar contas, gerenciar tarefas, cuidar da casa, da sobrancelha...

Pinça para mim um dia foi um objeto estranho. Daqueles que quando sumia, deixava minha mãe com cara de brava. Tenho, atualmente, pinças espalhadas em necessáires diversas. Elas disputam lugar com trocentos objetos, que vão dos óculos escuros ao casaco fininho, numa bolsa cada vez mais pesada.
Bolsa de adulto. Quando eu corria em círculos pela fonte e assoprava o queijo fumegante para não queimar a língua, adorava mexer na bolsa da minha mãe. Eu sonhava em ter um grande compartimento de coisas importantes para carregar. Na primeira distração dela, lá ia eu passar amostras de perfume, roubar um mentex ou pastilha garoto.

Minha avó, que tinha até leque na bolsa, dizia que na dela havia uma cobra guardada. Como na história do "homem do saco" e toda lenda que pudessem me contar, ao invés de ter medo, eu queria era checar a veracidade dos fatos: "onde, vó? Me mostra!".

Na minha lembrança eu era uma criança destemida. Naquele tempo que voou, eu soltava a mão dos adultos para atravessar a rua sozinha. Levava bronca, claro. No fundo, era ânsia de independência, não dose de peraltice.

Agora sou mais uma dessas pessoas apressadas, atrasadas, de óculos escuros, com bolsas grandes e vários papéis importantes atravessando na faixa de pedestre. Por isso, eu vou atrás do barulho das águas na fonte, da cor azul da chama no fogão.

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