As crônicas dos outros - a série
O Bloqueio.
De Edson Aran.
Escritor é um bicho muito besta.
Escritores não são pessoas normais feito eu e você. Escritores têm “bloqueio” – um jeito pretensioso de dizer que eles não têm porra nenhuma na cabeça. Você não vê carteiros parados no meio da rua, a mão cheia de envelopes, falando sozinhos: “Não adianta! Por mais que eu entregue cartas, eu jamais farei uma obra-prima! Ou cirurgiões: “Não adianta! Implantar esta ponte de safena não fará de mim um novo James Joyce!”
As pessoas simplesmente fazem. Plantam tomates. Colhem abóboras. Pilotam tratores. Praticam abominações com animais de pequeno porte. Escritor não. Escritor trava. Escritor estanca. Escritor estrila. E aí, meu amigo, não há o que fazer, a não ser, talvez, usar o bloqueio a seu favor e escrever um conto.
O NADA (Um conto de Oraldo Grunhevaldo)
Era outubro, chovia. E o escritor estava com bloqueio. “Não consigo pensar em nada”, ele pensava, se contradizendo. Pensar que não havia no que pensar era, em si, um pensamento, ele pensava. Ou pensava que pensava. O mundo, afinal, podia ser apenas um breve pensamento na mente de um deus infinitamente criativo ou genuinamente retardado. Isso lembrou Borges. Juvenal Borges, cafetão e agiota. O escritor devia 200 paus pra ele. Eu devia ter virado dentista, ele pensou. Dentista ganha dinheiro. Dentista não tem bloqueio, dentista só tem broca e boticão. Ele releu tudo. Ele pensou em suicídio. Mas tinha empenhado o revólver para comprar munição.
Mas veja: usar o bloqueio como tema não faz o bloqueio desaparecer. Você simplesmente muda de calçada e evita contato visual. Ele continua lá, paradão. Bloqueio adora ficar paradão. Então você finalmente percebe. Não é só você. Todos os escritores, em todo o mundo, estão diante do mesmo bloqueio. Ninguém escreve. Não há mais romances, contos, poemas ou livros de auto-ajuda. Não há mais bulas papais ou bulas de remédio. Não há mais roteiros, nem diálogos, nem peças, nem minisséries, nem novelas.
Você desliga o computador e vai assistir a um reality show.
De Edson Aran.
Escritor é um bicho muito besta.
Escritores não são pessoas normais feito eu e você. Escritores têm “bloqueio” – um jeito pretensioso de dizer que eles não têm porra nenhuma na cabeça. Você não vê carteiros parados no meio da rua, a mão cheia de envelopes, falando sozinhos: “Não adianta! Por mais que eu entregue cartas, eu jamais farei uma obra-prima! Ou cirurgiões: “Não adianta! Implantar esta ponte de safena não fará de mim um novo James Joyce!”
As pessoas simplesmente fazem. Plantam tomates. Colhem abóboras. Pilotam tratores. Praticam abominações com animais de pequeno porte. Escritor não. Escritor trava. Escritor estanca. Escritor estrila. E aí, meu amigo, não há o que fazer, a não ser, talvez, usar o bloqueio a seu favor e escrever um conto.
O NADA (Um conto de Oraldo Grunhevaldo)
Era outubro, chovia. E o escritor estava com bloqueio. “Não consigo pensar em nada”, ele pensava, se contradizendo. Pensar que não havia no que pensar era, em si, um pensamento, ele pensava. Ou pensava que pensava. O mundo, afinal, podia ser apenas um breve pensamento na mente de um deus infinitamente criativo ou genuinamente retardado. Isso lembrou Borges. Juvenal Borges, cafetão e agiota. O escritor devia 200 paus pra ele. Eu devia ter virado dentista, ele pensou. Dentista ganha dinheiro. Dentista não tem bloqueio, dentista só tem broca e boticão. Ele releu tudo. Ele pensou em suicídio. Mas tinha empenhado o revólver para comprar munição.
Mas veja: usar o bloqueio como tema não faz o bloqueio desaparecer. Você simplesmente muda de calçada e evita contato visual. Ele continua lá, paradão. Bloqueio adora ficar paradão. Então você finalmente percebe. Não é só você. Todos os escritores, em todo o mundo, estão diante do mesmo bloqueio. Ninguém escreve. Não há mais romances, contos, poemas ou livros de auto-ajuda. Não há mais bulas papais ou bulas de remédio. Não há mais roteiros, nem diálogos, nem peças, nem minisséries, nem novelas.
Você desliga o computador e vai assistir a um reality show.
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