Sobre o valor que se dá ao que se perdeu

Foi-se o dia de finados e eu não o usei para me lembrar dos que partiram. Minha vida e meus mortos têm caminhos tortos. E as ausências são sentidas sem data no calendário.

Morreu essa semana o Jornal da Tarde (JT) onde trabalhei durante um ano e meio. Foi um período de muita coisa: aprendizado, adaptação e descobertas. Talvez seja o lugar mais importante em que estive, não porque pertencesse ao Grupo Estado ou estivesse em São Paulo.

Foi importante, pois no JT entendi que estudei jornalismo com a finalidade de escrever (e eu, fominha, sempre queria um paginão só para mim). Poderia ter sido letras? Sim, mas eu também adoro entrevistar, de modo que o jornal me parecia a união de tudo isso e algo mais.

Das primeiras lições assimiladas no JT: minha escrita deveria ser mais fluida, meu humor poderia fazer parte do pacote e isso até derrubaria, se necessário, a estrutura que seguimos à risca do "quem", "quando", "onde", "como", "por que" e "o que".

Conversei com artistas de todos os cantos do mundo (de Anish Kapoor a Franz Ferdinand), passava ao menos oito horas por semana assistindo a filmes, com a finalidade de escrever sobre eles, e até as pautas que pouco combinavam comigo, como as de TV, cumpri de um jeito diferente. Numa novela do Manoel Carlos, por exemplo, a matéria era em forma do poema "Quadrilha", de Carlos Drummond de Andrade.

Havia a parte ruim, que os paulistanos chamam de holerite e aqui em Belo Horizonte tratamos como salário. Na verdade, uma parte inerente à profissão. Uma parte da qual iremos reclamar a vida inteira. E reclamar é um talento peculiar de jornalista. Tanto que passei esse período do JT não só reclamando como correndo atrás de freelas que me proporcionassem um pouco de conforto (e a verdade é que quando o conforto financeiro surge, perdem-se algumas alegrias bobas como a pizza do fechamento,  a cervejinha na praça Roosevelt, aquele rebolado).

Tive dois chefes bem diferentes no Variedades e aprendi bastante com ambos sobre liberdade e respeito, essencialmente falando. O mais incrível é que alguns colegas de redação viraram amigos queridos, desses que parecem que vi ontem, mesmo que se tenham passado meses ou anos.

Nunca ganhei individualmente um prêmio de jornalismo e, para falar a verdade, não me esforço para isso. Gosto dos reconhecimentos em equipe - dos tempos de Agenda, na Rede Minas, até agora  - porque eles rendem brindes em botecos, lembranças boas ou ruins para carregar para onde quer que eu vá.

Logo eu que sempre quis voltar (estranhamente, nunca fui do tipo que voltou para um ex-amor ou um ex-emprego)...Definitivamente, o JT me transformou.

Segue a vida, segue o jornalismo e o ciclo para ser concluído. Saudades, ainda mais de você, JT...


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