Foi um rio que passou em minha vida
O rio morreu.
Não tem peixe, não tem comida.
Ninguém pode nadar.
Não tem água de beber, camará.
Eu quis escrever e não tenho medo de quem agora aponta o dedo na minha cara e diz:
"- Ah, bem que você tem um iPhone, né?"
"- Você está triste por causa da tragédia da mineração, só que aposto que não assinou aquela petição do avaaz contra o desmatamento"
"- Você votou em candidatxs financiadxs por essas empresas"
Sim, é tudo verdade.
Não adianta eu rebater que não sou tão consumista (meu iPhone é um 4, bem furreca, anda bem zoado e nem poderia trocá-lo porque acho bem caro), que a maioria dos e-mails de petições vai para a caixa de spam (posso nem ter visto este) e que não só cobro de quem voto, como critico e deixo de votar na próxima eleição.
Ando bem exausta de tanta patrulha: seja da minha ideologia, do meu corpo e da minha dor.
A minha dor dói menos que a dos pescadores, da família que perdeu a filha de apenas cinco anos, de quem não tem casa, não tem cidade.
A minha dor, no entanto, existe ainda que coadjuvante.
Ou como nos versos de DJ Dolores: "a minha dor, não é a dor dela. A minha dor é doriana, a dor dela é adorela".
Não vivi às margens do Rio Doce, mas tenho uma forte relação com ele.
Não sei se diferentemente de muitas crianças, porém igualmente a vários de meus amigos de infância, acampei muito naquela região nas férias e feriadões. Meus pais eram hippies para minha sorte. E esse apreço pelo contato constante com a natureza, por conversar com os ribeirinhos e as bordadeiras, por dar carona quando avistávamos alguém andando na estrada de chão de terra debaixo de um sol escaldante só contribuiu para eu me sentir uma pessoa melhor.
Claro que eu já quis ir para colônias de férias bem-estruturadas, com piscina e recreação. Eventualmente, achava desconfortável dormir na barraca e ser atacada por pernilongos. Sabe o que compensava tudo? Olhar para aquela imensidão de água limpa, saber que a minha mãe havia esquentado no fogãozinho um pouco de água para eu e minha irmã não morrermos de frio no banho de caneca, ouvir meu pai cantando que ia encher de vagalumes meus cabelos, fazer trilhas para descobrir novas plantas e bichos...
Eu não me lembro que idade tinha quando armamos a barraca e corri para o rio eufórica. Voltei assustada com o biquíni sujo. "O que é isso, pai? Por que o rio está sujo?". Ele me disse que era a mineração.
Não voltamos mais a acampar naquele lugar.
Se fosse hoje, não teríamos mais lugar para ir.
Não preciso visitar meu passado para me sentir completamente devastada ao ver o Rio Doce tomado pela lama suja. Tudo vai virando um retrato, do tempo em que mandávamos filmes de 12, 24 e 36 poses para revelar.
Não tem peixe, não tem comida.
Ninguém pode nadar.
Não tem água de beber, camará.
Eu quis escrever e não tenho medo de quem agora aponta o dedo na minha cara e diz:
"- Ah, bem que você tem um iPhone, né?"
"- Você está triste por causa da tragédia da mineração, só que aposto que não assinou aquela petição do avaaz contra o desmatamento"
"- Você votou em candidatxs financiadxs por essas empresas"
Sim, é tudo verdade.
Não adianta eu rebater que não sou tão consumista (meu iPhone é um 4, bem furreca, anda bem zoado e nem poderia trocá-lo porque acho bem caro), que a maioria dos e-mails de petições vai para a caixa de spam (posso nem ter visto este) e que não só cobro de quem voto, como critico e deixo de votar na próxima eleição.
Ando bem exausta de tanta patrulha: seja da minha ideologia, do meu corpo e da minha dor.
A minha dor dói menos que a dos pescadores, da família que perdeu a filha de apenas cinco anos, de quem não tem casa, não tem cidade.
A minha dor, no entanto, existe ainda que coadjuvante.
Ou como nos versos de DJ Dolores: "a minha dor, não é a dor dela. A minha dor é doriana, a dor dela é adorela".
Não vivi às margens do Rio Doce, mas tenho uma forte relação com ele.
Não sei se diferentemente de muitas crianças, porém igualmente a vários de meus amigos de infância, acampei muito naquela região nas férias e feriadões. Meus pais eram hippies para minha sorte. E esse apreço pelo contato constante com a natureza, por conversar com os ribeirinhos e as bordadeiras, por dar carona quando avistávamos alguém andando na estrada de chão de terra debaixo de um sol escaldante só contribuiu para eu me sentir uma pessoa melhor.
Claro que eu já quis ir para colônias de férias bem-estruturadas, com piscina e recreação. Eventualmente, achava desconfortável dormir na barraca e ser atacada por pernilongos. Sabe o que compensava tudo? Olhar para aquela imensidão de água limpa, saber que a minha mãe havia esquentado no fogãozinho um pouco de água para eu e minha irmã não morrermos de frio no banho de caneca, ouvir meu pai cantando que ia encher de vagalumes meus cabelos, fazer trilhas para descobrir novas plantas e bichos...
Eu não me lembro que idade tinha quando armamos a barraca e corri para o rio eufórica. Voltei assustada com o biquíni sujo. "O que é isso, pai? Por que o rio está sujo?". Ele me disse que era a mineração.
Não voltamos mais a acampar naquele lugar.
Se fosse hoje, não teríamos mais lugar para ir.
Não preciso visitar meu passado para me sentir completamente devastada ao ver o Rio Doce tomado pela lama suja. Tudo vai virando um retrato, do tempo em que mandávamos filmes de 12, 24 e 36 poses para revelar.
A tristeza não tem dono, bate quando a gente se toca, verdadeiramente, sobre aquilo.
ResponderExcluirverdade, Ju. Obrigada!
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