Para inspirar a segunda...
Sem lazer, sem
salário, sem horário
Jô Azevedo (*)
De 22 jornalistas, nove trabalham de 41 a 50 horas semanais e oito até 60 horas. Apenas cinco, um quarto da amostra, têm jornada de até 40 horas na semana. A média de horas trabalhadas diariamente chega quase a 10 horas, muito superior à carga fixada por legislação (cinco horas) com permissão de mais duas extras.
Esta é uma das constatações do psicólogo e advogado Roberto Heloani, professor da Fundação Getúlio Vargas, da Universidade Estadual de Campinas e da Unimarcos (São Paulo), na sua tese de pós-doutorado pela Escola de Comunicações e Artes da USP intitulada Mudanças no mundo do trabalho e impactos na qualidade de vida do jornalista.
Há muitas outras "descobertas" feitas por Heloani nesse estudo – situações vividas diariamente pelos profissionais que se amoldam individualmente ao que não é considerado comum por um profissional especializado em relações do trabalho, como o pesquisador. "O mais preocupante na análise das entrevistas é um claro indicador de que as práticas organizacionais trouxeram, como efeito colateral danoso, não apenas a corrosão de certos valores básicos mas, principalmente, a cisão da idéia de qualidade de vida e excelência no trabalho", explica Heloani.
Ele entrevistou 44 jornalistas de vários meios de comunicação, aplicando testes de estresse e saúde do trabalho, e fazendo análise em profundidade em metade da amostragem. Concluiu que os jornalistas não têm vida afetiva ou familiar saudável, por conta do envolvimento demasiado com o trabalho. Estão expostos a níveis de estresse acima do suportável, por causa das condições precárias das redações. Tampouco recebem salários condizentes a essas situações. Pelo contrário: a política das empresas tem se caracterizado pelas demissões sistemáticas e pelo achatamento salarial, mais fatores de estresse. O profissionais de imprensa ainda se sujeitam a circunstâncias de assédio moral e não percebem que sua situação está relacionada às alterações no mundo do trabalho provocadas pela reestruturação produtiva mundial, principalmente da década de 1990.
No início de outubro, Roberto Heloani lançou um livro sobre esse assunto e participará de debate na ECA-USP, no dia 5 de novembro, sobre a vida dos jornalistas. Eis sua entrevista ao Observatório:
Por que resolveu estudar a vida dos jornalistas?
Roberto Heloani – Primeiro, pelo meu envolvimento com profissionais dessa área – minha irmã é mestre em Comunicação e Semiótica e tenho muitos amigos entre o pessoal do Departamento de Jornalismo da USP. Também já prestei consultoria em relações do trabalho para empresas de mídia, em outras épocas. Depois, pelo fato de o jornalista ser formador de opinião. Está vivenciando uma situação que não é só sua, mas será que percebe isso? Chamava a atenção esse fato: ele vai formar a opinião dos outros, precisa ser qualificado e ter condições para exercer esse papel.
Houve muitas alterações no trabalho dessa área?
R.H. – Aconteceram inúmeras mudanças no mundo do trabalho nas duas últimas décadas, e os jornalistas se tornaram profissionais multifuncionais e polivalentes. Agora lhes é exigido que sejam repórteres, redatores, fotógrafos, cinegrafistas, tudo ao mesmo tempo. Têm de ter uma série de habilidades, inclusive com arsenal de informática considerável, ser criativos, sedutores, saberem de tudo um pouco. As exigências aumentaram, mas ganham muito menos do que há dez anos. É uma categoria profissional frágil, que busca soluções individuais, não se vê como coletivo, por uma série de circunstâncias, entre elas essa aura que a profissão ainda tem.
O glamour que sempre cercou a profissão não esconde a pressão que ela sofre?
R.H. – Sem dúvida. É uma categoria muito pressionada, que teve condições de trabalho muito pioradas. Hoje, por conta da informatização, o jornalista tem de estar plugado com tudo e com todos, pois se não fizer isso perderá espaço para o colega. Acentuou-se a competição entre eles. Têm de ter muitos relacionamentos, mesmo que não gostem de suas fontes, pois elas são imprescindíveis ao seu trabalho. Têm de processar essas informações constante e rapidamente, numa rede de trocas intrincada e veloz. Por outro lado, as empresas dispõem de um número menor de pessoas, trabalhando o dobro e produzindo o triplo.
Mas, por que você não pesquisou médicos e enfermeiros, por exemplo, que também vivem sob pressão?
R.H. – A profissão de jornalista é quase emblemática – não quero afirmar que seja mesmo, pois precisaria de análises mais sofisticadas ainda – das categorias que entraram de cabeça na lógica perversa da reestruturação produtiva mundial. Por sua organização frágil e sua constituição histórica no país, o jornalista acabou sendo presa fácil das "novas" relações de trabalho propostas pelas políticas neoliberais da economia: flexibilização das regras de proteção ao trabalhador, a não intervenção do Estado na mediação da relação empregados e empresa, entre outras.
Qual é o perfil desse profissional hoje?
R.H. – É jovem, entre 25 e 30 anos, por duas razões principais, do ponto de vista das empresas: facilidade de lidar com novas tecnologias e sua vulnerabilidade. Quer ascender nas empresas e se submete à intensificação laboral, muito mais que os profissionais mais velhos. A vida pessoal é quase nula, por conta das jornadas médias muito altas de trabalho. Muitos deles não conseguem sequer enxergar como horas trabalhadas as viagens a serviço em que levam laptops para redigir as matérias! As condições de trabalho são precárias. Temos uma entrevista em que o repórter além de buscar a matéria, tinha de gravar a imagem, dirigir seu próprio carro e ainda voltar à redação, para editar o material gravado para o noticiário! Tudo sob a pressão do fechamento da edição. Mas todos eles se mostraram apaixonados pelo que fazem, acredito que por um mecanismo de "amor-ódio" à atividade. É a forma que encontram para lidar com essa situação no plano psicológico.
E por que não se insurgem contra essas situações?
R.H. – Por conta justamente de buscarem saídas individuais. Prosseguem enfraquecendo a sua associação de classe, já bastante vulnerável, num círculo vicioso muito expressivo. Tampouco há profissionais mais politizados, como antes, e esta é uma questão de formação nas escolas e de influência ideológica dos tempos históricos. É uma tendência de outras categorias também, mas os jornalistas constituem uma categoria culta, qualificada e detentora de nível de informação acima da média. Como pessoas com tanta informação não conseguem defender-se? Este é o mote da pesquisa.
(*) Jornalista
Sem lazer, sem
salário, sem horário
Jô Azevedo (*)
De 22 jornalistas, nove trabalham de 41 a 50 horas semanais e oito até 60 horas. Apenas cinco, um quarto da amostra, têm jornada de até 40 horas na semana. A média de horas trabalhadas diariamente chega quase a 10 horas, muito superior à carga fixada por legislação (cinco horas) com permissão de mais duas extras.
Esta é uma das constatações do psicólogo e advogado Roberto Heloani, professor da Fundação Getúlio Vargas, da Universidade Estadual de Campinas e da Unimarcos (São Paulo), na sua tese de pós-doutorado pela Escola de Comunicações e Artes da USP intitulada Mudanças no mundo do trabalho e impactos na qualidade de vida do jornalista.
Há muitas outras "descobertas" feitas por Heloani nesse estudo – situações vividas diariamente pelos profissionais que se amoldam individualmente ao que não é considerado comum por um profissional especializado em relações do trabalho, como o pesquisador. "O mais preocupante na análise das entrevistas é um claro indicador de que as práticas organizacionais trouxeram, como efeito colateral danoso, não apenas a corrosão de certos valores básicos mas, principalmente, a cisão da idéia de qualidade de vida e excelência no trabalho", explica Heloani.
Ele entrevistou 44 jornalistas de vários meios de comunicação, aplicando testes de estresse e saúde do trabalho, e fazendo análise em profundidade em metade da amostragem. Concluiu que os jornalistas não têm vida afetiva ou familiar saudável, por conta do envolvimento demasiado com o trabalho. Estão expostos a níveis de estresse acima do suportável, por causa das condições precárias das redações. Tampouco recebem salários condizentes a essas situações. Pelo contrário: a política das empresas tem se caracterizado pelas demissões sistemáticas e pelo achatamento salarial, mais fatores de estresse. O profissionais de imprensa ainda se sujeitam a circunstâncias de assédio moral e não percebem que sua situação está relacionada às alterações no mundo do trabalho provocadas pela reestruturação produtiva mundial, principalmente da década de 1990.
No início de outubro, Roberto Heloani lançou um livro sobre esse assunto e participará de debate na ECA-USP, no dia 5 de novembro, sobre a vida dos jornalistas. Eis sua entrevista ao Observatório:
Por que resolveu estudar a vida dos jornalistas?
Roberto Heloani – Primeiro, pelo meu envolvimento com profissionais dessa área – minha irmã é mestre em Comunicação e Semiótica e tenho muitos amigos entre o pessoal do Departamento de Jornalismo da USP. Também já prestei consultoria em relações do trabalho para empresas de mídia, em outras épocas. Depois, pelo fato de o jornalista ser formador de opinião. Está vivenciando uma situação que não é só sua, mas será que percebe isso? Chamava a atenção esse fato: ele vai formar a opinião dos outros, precisa ser qualificado e ter condições para exercer esse papel.
Houve muitas alterações no trabalho dessa área?
R.H. – Aconteceram inúmeras mudanças no mundo do trabalho nas duas últimas décadas, e os jornalistas se tornaram profissionais multifuncionais e polivalentes. Agora lhes é exigido que sejam repórteres, redatores, fotógrafos, cinegrafistas, tudo ao mesmo tempo. Têm de ter uma série de habilidades, inclusive com arsenal de informática considerável, ser criativos, sedutores, saberem de tudo um pouco. As exigências aumentaram, mas ganham muito menos do que há dez anos. É uma categoria profissional frágil, que busca soluções individuais, não se vê como coletivo, por uma série de circunstâncias, entre elas essa aura que a profissão ainda tem.
O glamour que sempre cercou a profissão não esconde a pressão que ela sofre?
R.H. – Sem dúvida. É uma categoria muito pressionada, que teve condições de trabalho muito pioradas. Hoje, por conta da informatização, o jornalista tem de estar plugado com tudo e com todos, pois se não fizer isso perderá espaço para o colega. Acentuou-se a competição entre eles. Têm de ter muitos relacionamentos, mesmo que não gostem de suas fontes, pois elas são imprescindíveis ao seu trabalho. Têm de processar essas informações constante e rapidamente, numa rede de trocas intrincada e veloz. Por outro lado, as empresas dispõem de um número menor de pessoas, trabalhando o dobro e produzindo o triplo.
Mas, por que você não pesquisou médicos e enfermeiros, por exemplo, que também vivem sob pressão?
R.H. – A profissão de jornalista é quase emblemática – não quero afirmar que seja mesmo, pois precisaria de análises mais sofisticadas ainda – das categorias que entraram de cabeça na lógica perversa da reestruturação produtiva mundial. Por sua organização frágil e sua constituição histórica no país, o jornalista acabou sendo presa fácil das "novas" relações de trabalho propostas pelas políticas neoliberais da economia: flexibilização das regras de proteção ao trabalhador, a não intervenção do Estado na mediação da relação empregados e empresa, entre outras.
Qual é o perfil desse profissional hoje?
R.H. – É jovem, entre 25 e 30 anos, por duas razões principais, do ponto de vista das empresas: facilidade de lidar com novas tecnologias e sua vulnerabilidade. Quer ascender nas empresas e se submete à intensificação laboral, muito mais que os profissionais mais velhos. A vida pessoal é quase nula, por conta das jornadas médias muito altas de trabalho. Muitos deles não conseguem sequer enxergar como horas trabalhadas as viagens a serviço em que levam laptops para redigir as matérias! As condições de trabalho são precárias. Temos uma entrevista em que o repórter além de buscar a matéria, tinha de gravar a imagem, dirigir seu próprio carro e ainda voltar à redação, para editar o material gravado para o noticiário! Tudo sob a pressão do fechamento da edição. Mas todos eles se mostraram apaixonados pelo que fazem, acredito que por um mecanismo de "amor-ódio" à atividade. É a forma que encontram para lidar com essa situação no plano psicológico.
E por que não se insurgem contra essas situações?
R.H. – Por conta justamente de buscarem saídas individuais. Prosseguem enfraquecendo a sua associação de classe, já bastante vulnerável, num círculo vicioso muito expressivo. Tampouco há profissionais mais politizados, como antes, e esta é uma questão de formação nas escolas e de influência ideológica dos tempos históricos. É uma tendência de outras categorias também, mas os jornalistas constituem uma categoria culta, qualificada e detentora de nível de informação acima da média. Como pessoas com tanta informação não conseguem defender-se? Este é o mote da pesquisa.
(*) Jornalista
Triste e verdadeiro...
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