Porque eu sempre contrario minhas próprias intenções (no caso, postar com menos freqüência). Porque adorei o texto abaixo e ultimamente não tenho escrito nada do que realmente goste (não falo do ofício jornalístico, colaborações, etc). Porque hoje eu vi um filme ótimo, Obrigado por Fumar, que só estréia semana que vem e porque, finalmente, sairei do trabalho um pouco mais cedo, já que a coletiva do Cats foi abortada.

As alças da mente
De Rosana Hermann


O pensamento pode voar, mas a mente gosta mesmo é de uma prisão. A mente gosta de prender-se voluntariamente a tudo o que não muda, ao que permanece, o que se repete e ao que é sempre igual. Por isso a mente adora lembranças e memórias. Porque o passado já passou e não pode ser mais mudado. O passado é permanente. A mente acha isso o máximo. É como administrar uma empresa onde nada pode dar errado. O medo da mente é justamente este, administrar imprevistos.

Outra coisa que a mente ama de paixão é o padrão, porque como o nome já diz, o padrão não muda. Um metro, uma hora, o mesmo caminho para o trabalho, voltar ao mesmo restaurante e sentar na mesma mesa, são padrões que toda mente humana gosta de repetir. Ah, que prazer que a mente sente quando a bunda senta na mesma cadeira que sentou na aula anterior.

A repetição dá segurança, porque cria a falsa ilusão de que nada vai mudar. E se nada mudar, nada de ruim poderá acontecer. Tudo será igual, com o mesmo final feliz, como antes. Crianças adoram ver filmes mil vezes porque se sentem seguras porque podem antecipar as próximas cenas (se na vida fosse assim...) e porque têm certeza de como a história terminará. Já as mentes adultas, especialmente as obsessivas em qualquer grau, adoram a matemática. A matemática é a única ciência exata e imutável. Enquanto a física e química, a biologia, por exemplo, estão sujeitas a variáveis da vida real, a matemática continua igual. Daí o fato de que toda mente obsessiva gosta de contar, manipular números. As contas são sempre exatas, não mudam. E se você contar todos os passos e chegar direitinho à padaria com seus mil passos, então, podemos concluir que sua mãe não vai morrer e nada vai dar errado no seu dia. Certo? Errado.

Errado porque a mente vive num mundo irreal. Mundo da mente é como caspa, só existe na sua cabeça. Tudo é maia, ilusão. E, com perdão do excesso de realidade fisiológica, o mundo está cagando e andando pras suas ilusões mentais. Como o mundo já provou, uma batida de asas de borboleta na África pode influenciar mais a ocorrência de um tsunami na Ásia do que sua contagem de azulejos no banheiro. Porque a borboleta é real e seu pensamento, não.

O problema é que a mente não quer nem saber disso e provavelmente, muitas já terão abandonado este texto nas primeiras linhas. Espertas, porque sabem que vou contar um segredo sobre elas: a mente fabrica alças. Sim, alças, onde ela, a mente, possa de apegar. Uma alça, como aquele putaqueopariu do carro, onde a gente segura a vida quando o motorista não é de confiança.Como o santoantonio dos jipes. A alça pode ser um nome, um amuleto, uma mania, uma repetição qualquer. A mente é chata, mas criativa e assim, inventou, a alça-sem-mala. Nesta alça ela se apega até a morte. É uma crença, um dogma, uma frase feita, um chavão, lugar-comum. “Angélica ficou mais bonita depois que teve filho”. “Vaso ruim não quebra”. “Jesus voltará”. Qualquer alça é boa pra mente. “A cadeia é a universidade do crime”, “Direitúzú Mano só tem bandidu”. Se a mente se acha fraca, ela inventa uma alça pra se sentir forte, tipo “Sou feia, mas to na moda”. A mente inventa que se a pessoa perder dez quilos ela vai ser feliz e tudo vai dar certo na vida. Troca nomenclaturas, pra se sentir por cima. Porque uma coisa é dizer que você tem TOC e outra coisa é assumir que você é um obsessivo chato que ninguém agüenta conviver a seu lado e por isso você precisa de tratamento sério com remédio e tudo mais.

A mente inventa alças pra não cair em si. Mas cair em si é a única forma de tomar consciência, primeiro passo para melhorar. Portanto, remova todas as alças. Caia. Caia em si. Tá gorda? Tá gorda. Então, vamos emagracer. Tá infeliz? Sai dessa, viva a vida, aproveite. Tá duro? ‘Bora ganhar dinheiro.

Só não fique aí, com essa cara de passageiro do circular da eternidade, vendo a vida passar na fresta da janelinha de um puta ônibus cheio, segurando firme na alça do medo que você tem dar o sinal e descer para a liberdade do imprevisível.

Comentários

  1. Anônimo10:04 AM

    Tem coisas que a gente precisa mesmo ler. Esse texto é um deles.
    Repetidamente...

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